quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Eu gosto dele - 30/07/2013

Eu gosto dele. É o que respondo sempre que perguntam como está indo o namoro ou querem me pegar como exemplo em alguma conversa sentimentalista. E enquanto a pessoa desenvolve seu argumento baseado no meu “gostar”, eu divago com meus botões se menti pra nós duas. Fico buscando as razões pelas quais “eu gosto dele”.

Ele é confiável, companheiro, bom ouvinte, dedicado, inteligente, divertido. É eu enumerei as qualidades de um amigo. Mas ele não é meu amigo. Quero dizer, ele é meu amigo também, mas ele tem de ser mais que isso. Ele é meu namorado, e assim sendo, tem de ser a junção de amigo e amante. Ah, ele é bonito, beija bem e nos entendemos na cama. 

Continua não me parecendo o bastante. O “Ah” no começo da sentença já denuncia o problema. “Ah” não enuncia romance. “Ah” não inicia paixões. “Ah” não inspira canções de Bon Jovi. “Ah” não gera saudade. Namoros não devem começar com “Ah”. 

“Ah” é qualquer-coisa ou vai-esse-mesmo. “Ah” é pra quando você quer sabor morango, mas só tem tutti-frutti. Mas ainda não é assim que me sinto. Não o escolhi pra meu namorado porque outro cara tinha ido viajar. Foi por que mesmo? Tinha a emoção de tentar um novo amor, desvendar alguém, se embrenhar no íntimo. Uma empolgação de criança que acaba de ganhar um brinquedo automatizado e quer descobrir como funciona.

Lá se foram seis meses e ele já está na estante, guardado. Integrado ao resto da bugiganga. Nosso relacionamento não ta frio não. Tá morno. Temperatura média, normal. Mas banho morno não tem graça. Bom mesmo é banho quente, que te prende embaixo do chuveiro. 

Bom mesmo é a intensidade. Beijos que esfriam a barriga e aquecem o resto do corpo. Lábios com vontade própria, que se atraem e se reencontram mesmo já tendo se despedido. É sentir saudade trinta minutos depois de terem se visto (e ficar relembrando o encontro). É sentir a dor da falta se desfazendo no abraço acolhedor – não há sensação igual. É fazer contagem regressiva pro próximo final de semana, não aguentar e se verem na terça-feira. Bom mesmo é sentir esse imediatismo.

E eu. Eu sinto a falta de sentir isso e não quero ir embora. Fico insatisfeita por não estar apaixonada, mas não o suficiente pra romper. Li num texto do Gabito Nunes que os jovens amam loucamente e os velhos teoricamente. Talvez seja isso. Talvez tenha encontrado esse tipo de amor maduro e ainda não saiba como lidar. Talvez esse seja tão bom quanto ou melhor do que o tipo debutante e eu só precise descobrir como funciona.

Findadas as minhas reflexões me contento com a conclusão que cheguei. Espero a pessoa terminar de falar e soltar aquele quase retórico “entende?”. Sorrio e, agora um pouco mais confiante, respondo: Sim, eu gosto dele.

Eu prefiro os domingos - 19/02/2015

E devagar se acabou o bloco. A batucada deu lugar ao ruído de vozes boêmias que, aos poucos, iam também silenciando. A quarta-feira, outrora de cinzas, era agora a de ressaca para alguns.

Enquanto observava os jovens foliões retornarem ao lar com calçados na mão e sorrisos satisfeitos no rosto, pensava consigo que aquela alegria não era a mesma dele. Pensava que, apesar de poder ter sido muito bom beijar tantas bocas na micareta, mal sabiam eles quão melhor é beijar uma boca e saber que essa é sua e só. Possuir não só a boca, mas corpo e alma de outro alguém, num tipo de posse que só se faz possível quando esse alguém se permite e renuncia a si mesmo, para viver no peito do outro.

Lembrava, com uma saudade sufocante, da menina que se deixou pertencer e apressou o passo, sem nem notar, pra sentir mais cedo o perfume dela. Para abraçá-la e fazê-la saber que as segundas, terças e quartas-feiras também eram dela. Para contar pra ela que não conseguiu esperar pelo próximo domingo.

Sem título - 04/07/2014

No fim, acho que não é mesmo amor, é curiosidade. Porque desde criança tenho esse fascínio por quebra-cabeças e você deixou tantas peças por se encaixar, que eu simplesmente não consigo seguir em frente. Não com um passado incompleto a me assombrar. Preciso saber como você terminaria aquela frase que cortei e que gosto teria o beijo que evitei virando o rosto. 

Fico me perguntando se, se eu tivesse ficado naquela noite em que implorou que não fosse embora, você teria feito ou dito algo que pusesse um fim nesse nosso lance sem nome. Imaginando como teria sido dormir e acordar contigo. Especulava o motivo de eu ter sido quase intocável pra você, quando me olhava com os olhos incrédulos. 

O que vivemos foi um belo quadro, mas quando o olho me tortura ver essas peças faltando aqui e ali. Espaços etiquetados com uma grande e irritante interrogação. “Decifra-me ou devoro-te”, gritam. Não sei como silenciá-los e menos ainda como decifrá-los. 

Eu fui e você foi. Nos afastamos tanto que talvez nem nos reconheçamos mais. O jeito é me adaptar, aprender a conviver com esses gritos oscilantes. Amo quebra-cabeças, mas amo ainda mais fingir inatingibilidade e manter meu orgulho intacto. Deixo o destino e os ventos se encarregarem do que tiver que ser. E eu estou bem pra caramba.

Pedido público de desculpas aos meus quase-amores - 11/07/2014


Do “eu não estava pronta” ao “foi melhor assim”, meditei sobre cada um e lancei mão de todos:

Desculpem. Eu só não amava vocês

Sem título - 29/04/2013

Se eu pudesse escolher nunca ter te conhecido, acredito que o faria. Você está presente em todos os dias da minha vida, seja num riso que me lembra o teu, um lugar o qual frequentávamos, um gosto em comum citado por um estranho. Eu não consigo me desvencilhar de você e, às vezes, tenho a impressão de que tem ficado cada dia mais difícil.

Eu tenho tentado. Juro. Envolvo-me com outras pessoas, saio com amigos. Tenho me distraído a exaustão numa manobra contra sua insistente lembrança. E confesso que funciona por um tempo, em seguida tenho nojo de mim mesma. É como se gostar de uma pessoa que não você fosse totalmente antinatural, inconcebível. Impossível.

Não sei lhe dizer se me machuca mais não te ter ou ter alguém que não quero verdadeiramente. Tenho ódio, me sinto enganando a ele – e a mim. Que direito tenho eu de iludir? Eu que sei tão bem o estrago que isso faz. Não, você não me iludiu. Nós é que temos mania de criar expectativas. Esperar que o outro nos devolva tudo que oferecemos e entregue o que nos falta. A esperança que o outro nos complete nos decepciona quando em vão.

Vazio - 21/09/2011

Vazio. O aperto no peito está lá, mas sua mente não identifica bem o que é. Consome maços inteiros, sente o coração chegar à garganta, o ar rarear... Nada. É engolido pela ansiedade sem razão, ou por uma razão que não gosta de lembrar, e sai para caminhar. Vê a rua, os vizinhos, as crianças no parque, vira-latas sendo escorraçados de portas de padaria. Tudo igual, tudo como supunha estar. 

Tem agora a idade que faz com que os outros o julguem despreocupado. Como se os dias e desventuras envelhecessem com o corpo. Como se os problemas poupassem os mais velhos e a paz tivesse os bancos reservados do transporte público. Essas crianças não sabem mesmo de muita coisa - bom pra elas. Mal sabem que o futuro as aguarda com o peso dos silêncios.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

De volta aos cigarros

Voltou a fumar, por si. Não devia, até mesmo porque já estava quase chegando naquela vida saudável digna de ser postada no instagram. Voltou a fumar, mesmo que parecesse que não, jurou que era por sua saúde mental.
Voltou a fumar porque não desenhava mais. No máximo ensaiava um rabisco ou outro, mas não sentia a satisfação de outrora. Não passava mais horas e horas investigando tons, entortando a cabeça para esquerda e para direita a fim de contemplar e corrigir sua obra. Aliás, nem lhe sobravam mais tais horas. As gastava dormindo.
Voltou a fumar porque não cantava mais. Seus afazeres domésticos, que costumavam ter trilha sonora cantada do inicio ao fim, intercalados por uma taça de vinho e um áudio musical pra um amigo no whatsapp, agora são acompanhados, quando muito, por uma playlist qualquer do seu aplicativo de músicas. Voltou a fumar porque não compunha mais. Um dia teve o dom da palavra, transformava tudo que sentia em crônicas e canções sobre o que viesse na cabeça. E tudo lhe revigorava. E não havia peso que permanecesse consigo por mais que algumas horas.
Voltou a fumar porque, poderia ter um amante ou amizade colorida que lhe embriagasse da endorfina do sexo por sexo, mas as pessoas agora lhe cansavam... julga-as complicadas demais, criadoras e geradoras de expectativas demais... preferiu concentrar toda sua paciência em lidar com a própria ansiedade.
Voltou a fumar porque, fraco, seu eu atual era incapaz de aguentar a rotina estressante sem o auxílio da nicotina. Então esperou que seu eu do futuro perdoasse sua decisão de deixar para ele a tarefa de lidar com os problemas respiratórios e a propensão ao câncer. Voltou a fumar porque decidiu voltar a escrever, e a desenhar, e a cantar, e a beber e - dane-se o clichê - nada acompanhava tão bem tudo isso.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

13:13


Eu te amei muito um dia. Contrariando a previsão de todos que me julgavam dura demais para amar, eu te amei. Eu te amei tanto que doía a remota possibilidade de nunca mais te ver. Eu te amei e esse amor deixava meus dias mais fáceis e minha existência mais leve, apenas pela certeza de querer bem a alguém e esse alguém me querer bem de volta. 

Talvez não seja justo eu te culpar por isso, mas quando meu amor por você foi sendo machucado e o senti diminuindo, eu tive ódio por você levar uma das poucas coisas boas que eu tinha. Agora eu odeio não te amar mais, eu te odeio por não ter cuidado da gente.

Porque o que tínhamos era bem aquela definição de Coríntios 13: paciente, benigno, não era invejoso, não se vangloriava e nem se ensoberbecia; não era egoísta, não se irritava, não suspeitava o mal; era justo e verdadeiro. Mas, por mais que eu quisesse que ele também encaixasse ao versículo que diz que o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta, o meu não era indestrutível. E te culpo por ter visto eu deixar de te amar aos pouquinhos e só ter feito algo quando era tarde demais.

Eu te odeio por ter assistido pacífico minha paz se esvair. Ela se foi e em seu lugar ficou um monte de nada, que coisa alguma preenche. Então hoje eu te culpo e te odeio por me sentir vazia e não conseguir amar a mais ninguém. Nem a mim mesma.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Frequência

Não brigo, a não ser comigo mesmo. Grandes discussões me deixam desnorteado.  Ainda criança criei o hábito de engolir sapos e agora, na fase adulta, não consigo me livrar dele. Antes me safava dos cascudos do meu irmão evitando discordar dele, hoje adio tensões me limitando a sorrir e deixar pra lá. Relevar. Não percebi que estava construindo meu mal.

Li em algum lugar que psicólogos chegaram à conclusão de que agradar a todos não é o caminho para a felicidade. Bem, queria que tivessem me dito isso alguns anos atrás. Talvez os teria ouvido e não tivesse que relembrar o meu próprio corpo a como respirar em uma situação de estresse. Talvez o ar não pesasse uma tonelada nessas ocasiões.

É simples e idiota. Posso me articular bem em meio a uma discussão, mas se ela torna-se mais acalorada, eu recuo. Alguns me chamam pacífico, mas eu sei que não passo de um covarde, um ser humano que não sabe lidar com outros. Porque a existência e convivência humana são cheias de vaidades, picuinhas, transtornos... e não compartilhar delas é isolar-se da sociedade.

Então cá estou eu transmitindo minhas ideias da minha própria ilha, exilado por força maior que as minhas. Aos que me classificam apenas como um esquisito antissocial, eis a minha verdade: eu não renego vocês, eu apenas não sou daí. Eu não aprendi seus valores. Coisas que lhes são banais, como ignorar e subjugar os diferentes, me machucam o âmago. Supervalorizar a si mesmo a ponto do outro não passar de coadjuvante em todos os aspectos, é uma guerra solitária da qual eu não quero fazer parte.

Mas numa brincadeira cruel dos deuses, me puseram entre os homens em vez de entre os lobos, e aqui não é possível sobreviver à parte. Então me esforço para passar despercebido. Faço o melhor pra que tenha que lidar apenas com a minha prisão invisível, onde meus conflitos internos tentam me convencer, dia após dia, que eu sou tão melhor que todo o restante dos homens ou uma escória da humanidade. Onde eu tento me equilibrar entre o amor e ódio por mim mesmo, enquanto treino emular um sorriso espontâneo após uma piada desrespeitosa do chefe, quando na verdade eu gostaria de manda-lo calar a boca. Mas isso resultaria em um confronto em qual não estou apto a participar, então volto resignado à configuração anterior de apenas assistir ao convívio alheio.

Sorrir de volta quando sorriam pra mim. Ignorar provocações que eventualmente surgem. Tomar um café forte no início e ao fim do dia. Ir à terapia uma vez por semana. Ler e assistir conteúdo sobre comunidades distantes... Consumir tudo que me assalte a realidade por instantes e não me faça esquecer de como o ar passa por meus pulmões.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Querido quase amor

Conforme o combinado, apagamos na frente um do outro nossos contatos no celular e ela se foi sem deixar endereço ou rastro a se seguir. Contando assim parece dramático - e um tanto sádico - , mas não foi. Foi a despedida a altura, cerimônia digna de marcar o fim de um ciclo. Hoje ela pode estar em Milão ou na rua de trás, quem sabe? Ficou acordado que não nos procuraríamos mais e esse seria nosso maior ato de romantismo. A forma de colocar poesia na nossa relação tão conturbada.

Não, nós não nos amamos. Tampouco planejamos uma vida a dois, em casa ampla e com crianças correndo atrás de um Golden Retrivier . Talvez sequer tenhamos chegado a nos apaixonar. Sei que tivemos o relacionamento mais ambivalente que um dia chegarei a ter. Porque fomos rasos e profundos ao mesmo tempo. Experimentamos doses de decepção e ódio um pelo outro quase tão intensos quanto os momentos de bem estar, aqueles que, se me permite lançar mão de misticismo pra explicar, sabíamos transcender a matéria.

Brigávamos para sempre e reatávamos em seguida, como duas crianças birrentas que performam a clássica cena do "corta aqui", rompendo a união dos indicadores numa metáfora para o fim da amizade, e dali a trinta minutos estão brincando juntas novamente. Nunca disse a ela, mas confesso que, no íntimo, achava divertido. Ria-me da nossa imaturidade proposital e gozava de cada segundo do conflito, invariavelmente terminado na cama, mesmo que apenas para dormir.

Rotula-me clichê, apesar de nos sabermos incompatíveis, o que tivemos foi único e especial. Tanto que preferimos não deixar pro acaso o cargo de colocar um fim. Porque isso seria arriscar um término tão devastador a ponto de nos fazer odiar-nos a valer e esquecermos do que foi bom. Então programamos o final e nos separamos carregando o melhor do outro dentro de si.

Faz uma semana agora e estou bem. Sinto a falta dela, claro, como ela deve sentir a minha, mas imagino que esteja bem também. Não me arrependo de nada sobre nós, senão por um detalhe: eu não tenho um retrato dela. Tão habituado fiquei a ver seu rosto no perfil de contato do whatsapp, religiosamente atualizado, que não atinei a salvar uma foto sequer. Veja você, pleno 2016 e não tenho uma arquivo digital da moça que eu quase amei. Há de ter sido melhor assim, pois o que existe apenas na memória o destino não corrói. Ficarei com a lembrança do sorriso dela fechando a porta devagarinho e de a observar da minha janela descer a rua sem olhar pros lados, enquanto baixinho eu pedia perdão aos astros por qualquer coisa e agradecia pelo o que foi bom até aqui.


terça-feira, 20 de setembro de 2016

Juliana

Resultado de imagem para neon tumblrNossos pés doem. Ontem foi outra dessas noites de balada e Juliana não gosta de sair sem salto, mesmo sabendo quanto sofrimento e arrependimento nos trará no dia seguinte. Ao menos ela lembrou-se de beber água dessa vez, nos poupando a enxaqueca e os enjoos costumeiros das segundas-feiras.

As segundas geralmente se resumem a dores e mensagens de desconhecidos com os quais ela não se lembra de ter trocados números, mas responde educadamente e, se achar que deve, dá a eles a chance de um encontro sóbrio. Encontros sóbrios a luz do dia é o nosso tipo favorito de encontro, e não só porque ela costuma preferir sapatilhas, dando uma folga a nossas pernas, mas por ser o processo muito mais complexo e com mais variáveis que beijos sob luzes de neon.

Juliana e o pretendente se sentam num café charmoso, ela pede chá, deixando agradecido o nosso sistema nervoso e ficando atenta a reapresentação do homem do outro lado da mesa. Se as energias batem, nosso cérebro se ilumina em ligações de memórias e engatam conversas sobre a vida e o universo. Em raras conexões, nosso estômago parece sentir cócegas como reflexo do êxtase daquele momento. Então sorrimos e nos sentimos bem por estar ali. E o que jurávamos ser borboletas no estômago, saem pela boca em forma de um carinhoso “bom dia” quando aquele ser humano raro liga na manhã seguinte. Embora Juliana nunca tenha sido de esperar por telefonemas, ela fica contente com a surpresa e aproveita ao máximo aquela sensação de quase amor.

Mas se sóbria não há conexão com o agora conhecido, tamborilamos os dedos na mesa, balançamos a perna e externamos ansiedade. Ela tenta, sozinha, disfarçar a inquietude que há do lado de cá e agarra-se a primeira oportunidade de ir embora sem magoar o rapaz. Ela sabe do nó seco que a garganta se dá em situações de rejeição e faz o máximo pra minimizar o desagrado causado.

Às vezes Juliana convida um desses semiconhecidos pra sua casa, nos inunda de vinho, entorpece nossos sentidos e nos deixa aproveitar. Sabe da nossa necessidade por arrepios e endorfina, toques e carícias e estímulos que nos agradam até o ápice da ocitocina... Nos entregamos tanto que ao fim quase nos desligamos. E ela sente quase todo o corpo grato, senão pelo coração, o chato que não se contenta com atos isentos de emoção.


Juliana não sente-se feliz, tampouco sente-se triste. Se a perguntarem, dirá que está satisfeita. “Feliz” é a definição que está guardando pra quando houver aquela conexão que ainda não experienciou, que será capaz de nos unir, sincronizar e harmonizar, a ponto de agradar até mesmo, e principalmente, nosso desgostoso coração.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Ode aos finais

Sempre achei as despedidas mais bonitas. Claro que a chegada e aquele abraço de matar saudades têm sua beleza, mas aquele olhar de pesar antecipado, aquele beijo pensado e demorado pra dizer sem palavras que a falta que a outra pessoa fará será imensa e que sofre desde já com sua ausência, é um apanhado dos melhores sonetos. Sabe aquele abraço que a gente se recusa a soltar porque sabe que será o último em muito tempo, talvez pra sempre? Ali sim está o ápice do romance.

Mas isso não é lá novidade, os músicos já sabem disso há tempos. Pegue como exemplo Vinícius de Moraes em sua canção mais famosa: "eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver a espera de viver ao lado teu por toda a minha vida". Todos concordam que é lindo e sabe por quê? Ora, porque é idealista. É-se impossível estragar o que só existe em pensamento: a convivência é harmoniosa, há sexo todos os dias, bem como café da manhã de comercial de margarina. E, na imaginação, a vida a dois que não pode ser corrompida, torna-se perfeita.

Mesmo as dores de cotovelo e imensuráveis períodos de fossa têm juntos mais beleza que finais felizes. Sim, porque finais felizes consistem em pôr-do-sol a beira do lago, um beijo apaixonado e promessas de amarem-se a vida inteira. Ah! Nesse cenário até o mais frio dos homens é suscetível a jurar amor eterno. Agora visualize você o outro quadro: o indivíduo solitário em seu quarto, tendo como companhia apenas uma garrafa de bebida alcoólica e a voz da Adele em 21 ecoando das caixas de som. O relacionamento acabou, não há esperanças de retorno e ainda assim o ser humano está lá remoendo conversas e prometendo a si mesmo e a deus que continuará amando o outro não importa o que aconteça. Isso sim é amor, o resto é balela.

Amor é o que acontece na tempestade. Em dias ensolarados o que se vê é Consequência. Apenas construção de uma dezena de fatores a favor. O amor é o que acontece quando não se tem mais nada, nem mesmo um filete de raio de sol a entrar pelas frestas, e ainda assim a alma decide seguir amando.

E eu, veja só, que acreditava ser viciada em primeiros encontros, convoco ao fim desse texto um brinde aos finais. Afinal, o que poderia destruir o que está findo?

Salut!


quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Náufrago

A afirmação de que todo homem é uma ilha nunca foi pra ele, tinha certeza disso. Ele, com seus vinte e poucos anos, meia duzia de tatuagens e vestuário discreto, tinha plena consciência de que tudo que vinha dos outros o afetava. Pro bem ou pro mal, toda e qualquer pessoa tinha o poder de mudar o seu dia.

Talvez fosse extra sensível, ou talvez todos fossem como ele e apenas eram melhores em camuflar isso. Negava-se a acreditar na maldade genuína, no egoismo cego, na indiferença humana. Pra ele, toda e qualquer pessoa é essencialmente boa.

Ainda assim, ele sofria. Mastigava e engolia cada olhar torto, palavra cuspida, dar de ombros. Os digiria em cólicas. Absorvia o que lhe era oferecido e transpirava esperança. Porque também acreditava que toda e qualquer pessoa merece o perdão.

E gritava. Bebia tonéis, findava maços, chutava lixeiras. Cantava alto suas dores às 3 h da madrugada na sacada do lar. Apagava as luzes. Ele sabia que toda e qualquer pessoa descansa na loucura.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

t.a.g



Cuido que essas minhas dores não são puramente físicas. Dói-me a cabeça e enrijece-me o pescoço em resposta aos anos de provação. Li uma vez “esse seu peso nas costas pode ser suas asas paradas”, e essa frase assim, numa metáfora simples, falou mais diretamente a mim que diversos poemas já lidos. Hoje, que sou se não um ser prensado pelas más experiências? Diariamente, permitindo-me ser sobreposto pelos medos e anseios, calando-me por puro recato débil.

Minhas asas atrofiam-se e, por negligência, deixo-as cessarem sem lutar. Vezenquando tenho o ímpeto de batê-las e tentar voar novamente, mas as dores me paralisam. Um impulso que se esvai tão rapidamente com o fracasso, que mal vale a tentativa.  Dói-me o peito e meu coração, que já não sabe que ritmo seguir nessa hora, suplica por descanso. E a respiração, pesada e custosa, impede-me de prosseguir.

Meus inimigos, muito pior que a minha frente, estão dentro de minha cabeça e têm a mim como maior aliado. Quando combatê-los me é caro, torna-se muito mais confortável a rendição e,  quando desistir parece o sensato a se fazer para sobreviver, você o faz. Não existe análise crítica quando o ar simplesmente não chega a seus pulmões e não se consegue pensar noutra coisa que não respirar.

Cuido que essas minhas dores não são físicas.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Zona de conforto


Sempre achei lindo isso de quem ama sem pudores. Quem na maior cara dura, sem escolher palavras bonitas ou evitar clichês, enche a boca e solta um “eu te amo” bem grande quantas vezes quiser. Admiro essa coragem deles. Doam-se sem cogitar o desengano, o descaminho, o desencontro. Pessoas que não parecem ter no dicionário a palavra Cautela. Esse povo doido. Românticos.

Mas essa admiração é aquela mesma que se tem quanto às quedas d’água. Olho de longe e sorrio bestificada, às vezes, logo depois me afasto. Bem sei que são águas velozes e imprevisíveis. Traiçoeiras e perigosas até pro mais experiente dos mergulhadores, que dirá pra mim, que não nado nem cachorrinho. Me afogaria em dois tempos. Deixo-as caírem por lá e fico só com o burburinho bom que se ouve daqui.

Não sei da roupa encharcada grudando no corpo, da massagem da água caindo-me nas costas e nem do silêncio da imersão no rio. Contudo, também não sei do frio congelante do vento soprando na pele molhada, do ser inevitavelmente arrastada pela correnteza e da apneia quando submergida.

sábado, 2 de agosto de 2014

a banca

Envelhecer e descobrir que não existe mesmo isso de esquecer, de desamar. Você apertar a mão de quem um dia foi seu mundo inteiro e não sentir absolutamente nada. Não existe, cara. Você se afasta, muda de ares e de amigos, deixa de revisitar lembranças e jura que está acabado. Mas um belo dia, ao rever aquela pessoa, sente uma coisinha se revirar, espreguiçar e acordar no peito: pronto, está vivo de novo.

Um aperto de mão de meio segundo e uma avalanche de sentimentos vem em sua direção, perto e rápido demais pra desviar, está feito, você é atingido. Quando se dá conta está forçando um sorriso e olhando pros lados, tentando inviavelmente fugir. O coração bate descompassado e torce pra que ninguém note que está se sentindo como no dia da defesa do seu tcc, ansioso pra provar que esses semestres tiveram valia e você realmente aprendeu a lição. Eu sei, foi exatamente como me senti.

Ela usava salto alto e um vestido justo turquesa, de comprimento um pouco acima do joelho, que contrastava com tudo que gostava de vestir e contrariava sua personalidade despojada que tanto admirei. Cabelos soltos em cachos minuciosamente modelados para durar toda a noite e batom vermelho para arrematar. Dizem que se deve vestir bem quando for a um encontro e ainda melhor se for encontrar um ex. Estava linda, com todas as curvas que me lembrava, mas o acessório que ostentava me fez questionar essa teoria: um acompanhante.

Eu, o cara solteiro que vai ao casamento do amigo azarar as primas da noiva.  Não sei se é o que todos estavam pensando, mas é o que achei que ela pensaria de mim. Derrotado, ainda sozinho depois de todos esses anos. Impressão que só piorou quando disse em seguida “Esse é o Otário, meu noivo”. O Otário apertou minha mão mais forte que o comum enquanto passava o braço em volta da cintura dela, o que me fez desejar que ele tivesse um aneurisma naquele instante e caísse duro no chão, um trágico e feliz final. Mas apenas o assisti tirá-la para dançar e caminharem juntos para o meio do salão.

Não conversamos mais naquele dia e nem em outro algum. Na semana seguinte fiquei me perguntando o porquê de todo aquele desconforto, do ciúme, da frustração por não poder ter novamente, da tristeza ao vê-la sair pela porta. Li o perfil público dela no Facebook de ponta a ponta e procurei seu rosto nas fotos do casamento postadas mais tarde. Buscava o registro de um olhar furtivo na minha direção ou um sorriso amarelo que denunciasse que estava tão desconfortável quanto eu. Queria uma pista de que estava secretamente infeliz e sentindo minha falta.  Não encontrei.

Pensei várias vezes em ligar, marcar uma cerveja, reconquistá-la aos pouquinhos. Pensei que foi um erro tê-la deixado escapar e que ainda estava profundamente apaixonado por ela. Nada fiz.  Após um tempo, deixei de pensar naquela festa. Senti aquela coisinha no peito revirar e adormecer de novo, quieta. Acredito que, se a ver mais uma vez, a coisinha vai se agitar e fazer algum barulho, mas nunca terá força suficiente pra me fazer discar o número dela de novo. Essa se foi há tempo demais, quando decidimos juntos que não dávamos mais certo. Segui.


O nome do noivo dela é Tarcísio. Mas, já me conformei, será sempre Otário pra mim.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Eu, falando sozinha

“Eu não escrevo mais. Todas as vezes que tenho um fio de inspiração e tento, acontece algo que a sequestra de mim. Seja alguém que resolve espichar a conversa ou um vizinho ouvindo música ruim. Tudo atravessa as paredes e atinge minha criatividade. É uma lástima, pois necessito escrever. É assim que faço as pazes comigo. Não precisa ser bom, só precisa me satisfazer. E se faço algo que não gosto fico de mal comigo. É difícil conviver com quem se tem uma richa, não há pra onde fugir. Meu desprazer me encara pela manhã, quando abro os olhos, e testemunha minha luta com a insônia. Às vezes até acho que ele torce por ela. Mas o que se pode fazer? Tudo que tenho são palavras amontoadas sem um mínimo de poesia. Sem alma. Forçar-me a escrever me traz ainda mais desgosto. A única ideia que paira em minha mente é o suicídio literário. A melhor que tenho em meses e sequer sei como executá-la. É isso, é o fim.”

Hoje tentei escrever uma canção. Sentei-me a escrivaninha e me posicionei confortavelmente em frente ao computador. Batuquei o teclado por uns minutos e lembrei-me que nunca fui bom de rima. Tentei transformar em algum tipo de poesia contemporânea, mas me faltou lirismo. Era só um amontoado de palavras sem beleza literária. Deletei. Perguntei-me onde será que poderia ter deixado meu eu poético e, do alto da minha preguiça já característica, desisti de procurar e quis inventar um novo.

Outro novinho em folha, que não me viesse arranhado e carregado de experiências desgostosas, que de tão marcado por antigos desafetos não fosse capaz de deitar uma linha sequer sem mencioná-los. Um eu poético ingênuo e curioso, que ignorasse as maldades passadas e falasse de tudo como quem experiencia algo pela primeira vez. Buscava em mim um poeta criança e temia jamais encontrá-lo.


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Chaira

Iluminado apenas pelo abajur, estava sentado ao lado da cama. Uma poltrona cor de rosa, feita pra alguém com pernas bem mais curtas que as dele, ornava com todo o resto da decoração. Enquanto observava a filha dormir, lembrava-se de si mesmo em roupas respingadas de tinta Pink, caprichosamente preparando o quarto para a chegada da primogênita. Já eram passados cinco anos agora e o amor por aquele pedaço de gente só havia aumentado ainda mais.

Ela tinha muito da mãe. A começar pelos olhos, cor de mel, altivos e curiosos. O tipo de criança que, se não mostrar a ela como funciona, vai descobrir por si mesma, e que, depois de desvendado o mistério, desinteressa-se logo e procura por algo mais desafiador. Nunca quebrara um brinquedo, mas também jamais brincara com um por mais de uma semana. Afinal, tinha uma casa e quintal inteiros para explorar.

Quem a via assim, longe em sonhos, não imaginava quão esperta e sensível era. Já havia percebido, antes mesmo dele, a mudança no comportamento da mãe. “Mamãe está cheirosa” , dizia, “Mamãe está bonita”. Chegou mesmo a se queixar ao pai uma vez “Mamãe não brinca mais muito comigo”. Talvez, se a tivesse ouvido, suas roupas não estariam manchadas de sangue agora. Talvez não tivesse deixado chegar a esse ponto e então doeria menos. Talvez.


Quando decidiu procurar um detetive para investigar a esposa não estava certo se era o que devia fazer. Não poderia pedir o conselho de um amigo, esse não é o tipo de coisa que se conta a alguém. Não queria ter a confirmação de suas suspeitas, mas não conseguia mais conviver com a dúvida. Então foi até o escritório no centro da cidade e pagou pelo serviço sujo e eficiente. Não demorou pra que tivesse em mãos as provas da infidelidade da mulher que amava. Naquele dia não voltou pra casa e no dia seguinte não foi trabalhar.

Ao chegar, mais tarde que o habitual, a mulher estava na cozinha guardando as sobras do jantar. Ele pegou uma garrafa d’água na geladeira sem ser indagado pelo atraso ou por suas roupas serem as mesmas do dia anterior. Ela não se importava. Perguntou como tinha sido o dia dela, que definiu como cansativo e disse que já ia subir para dormir. Estava sempre cansada agora.

Ele perguntou onde tinha ido. Ela mentiu. Mesmo que tivesse dito a verdade, não acreditaria em nada que saísse de sua boca. Perguntou o que costumava fazer na semana. Ela foi superficial, parecia mais distante que nunca. Ele disse o nome do amante e perguntou de onde o conhecia. Ela disse não saber daquele nome. Perguntou o porquê da traição. Ela negou e disse que o amava. Ele deitou as fotos prova em cima do balcão. Ela emudeceu.

A casa estava quieta. Só se podia ouvir a respiração dos dois, de pé na cozinha. Ambos ofegantes. Ele observava a esposa. Estava linda como sempre fora. Ainda magra, vestida com camisa e uma saia justa um pouco acima dos joelhos. Cabelos presos, maquiagem leve. Ela tinha um ar jovial que a maternidade não levou. Sem dúvida uma mulher atraente. Pôs-se a imaginar as mãos de outro acariciando aquelas pernas, entrelaçando os dedos por entre os cabelos da nuca e a beijando os lábios com desejo. Imaginou-a gostando disso. Suspirando e sussurrando um nome que não o dele. Roçando a pele desnuda e cravando as unhas em êxtase nas costas de outro homem.

Ele ouvia pensamentos e ruídos dentro de sua cabeça. Todos rápidos, simultâneos e ininteligíveis. Podia sentir todo o corpo vibrar em ira, como jamais antes. Era como se pudesse sentir o sangue correr e ebulir dentro de suas veias. E contrastando com toda a algazarra dentro dele, ela seguia muda. E sua inércia e palidez o enfureciam ainda mais.

Estendeu o braço a fim de alcançar o faqueiro em cima do balcão. Viu-a recuar e desculpar-se repetidas vezes, dando para trás cada passo que ele dava para frente. Implorando seu perdão. Ao parar num canto do cômodo, ainda não conseguia ver arrependimento em seus olhos. Era apenas medo. Como um animal pequeno, acuado pelo predador, com a feição em desespero. Nada que o impedisse de empunhar a faca e dar o primeiro golpe, perfurando-lhe a barriga sem resistência, enquanto ouvi-a soltar um grito de dor. Nos cinco golpes seguintes não ouviu ou sentiu nada. Quando parou, notou a manga da camisa, outrora branca, vermelha, embebida em sangue.


Notou que a filha estava encolhida na cama. Levantou-se, atravessou o quarto e pegou mais uma coberta na parte de cima do guarda-roupa. Voltou, cobriu-a e sorriu enquanto lhe acariciava os cabelos escuros, como os dele. Estava de fato mais frio que o costumeiro aquela noite, mas ele estranhamente não sentia ou não se incomodava com isso. Estava anestesiado. Recordou o dia em que trouxe as mulheres de sua vida da maternidade. Como todos os descreviam como uma família radiante. Todo o primeiro mês foi um entra e sai de pessoas da casa. Parentes e amigos com presentes e tudo que pais de primeira viagem precisam para sobreviver àquela experiência.

E o que todas aquelas pessoas diriam se pudessem vê-los agora? Uma série de acusações e discursos moralistas os aguardava. Apontariam para sua garotinha e a olhariam com pena. Mais tarde, lhe encheriam a cabeça com julgamentos sobre seus pais e como ela deveria deixar de amá-los. Plantariam o ódio e a revolta na garota que hoje é tão doce aos olhos do pai. Não poderia confiar ou entregá-la a quem não saberia como agir. Então de súbito, soube o que fazer. Sentou-se na beirada da cama, sorrateiramente para não acordá-la, e beijou-lhe a testa em despedida. Pegou um dos travesseiros que ali estavam e pressionou-o contra o rosto da filha. O manteve assim, impedindo sua respiração, e apertando-lhe o peito para que não se debatesse tanto. Talvez tenha ouvido a menina gritar o pai por socorro uma vez, não tinha certeza.

Feito, ajeitou a garota na cama e cobriu-a de novo, como se repousasse. Apagou o abajur, deixou o quarto e fechou a porta. Percorreu lentamente o corredor até o quarto do casal. Entrou, acendeu as luzes e trancou a porta. Caminhou até o banheiro e parou em frente a pia, encarando-se no espelho. Estava exausto. Parecia vinte anos mais velho. As rugas estavam mais marcadas, os olhos injetados e o rosto escurecido pela barba por fazer. Abriu o armário, pegou a navalha e testou o fio de corte no polegar. Estava bem afiado. Fechou a porta do armário, olhou fixamente para o espelho, elevou ligeiramente o queixo e passou a lâmina num corte horizontal fundo e preciso no pescoço. Enquanto agonizava, caído no chão de mármore, pensou consigo mesmo satisfeito: está tudo bem agora.


quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O que preciso dizer

Qualquer coisa entre morrer e estar vivo, é como me sinto. Você vai chamar de clichê ou subjugar minha dor, eu sei como é. Aliás, você sabe bem como é. Você tem seu jeito de entrar na vida das pessoas, fazê-las gostarem de ti e depois abandoná-las sem mais nem menos. Depois, considera todos amantes do drama, fracos e exagerados. Mas você não é muito melhor que qualquer um desses.

Vive seus dias se fazendo de forte, se achando a dona da razão e sob controle das próprias emoções. Só que se esquece de que ninguém manda no coração. Pra se encaixar no seu modo de ver as coisas, você não pode controlar a reação do seu cérebro frente a estímulos externos. Se os cientistas conhecem pouquíssimo do funcionamento de toda essa massa cinzenta aí dentro, por que acha que justo você teria aprendido, com a pouca idade que tem, a manipular todas as respostas da sua?

Talvez doa saber, mas você não é Deus. Não ache que simplesmente por dizer algumas palavras as coisas irão mudar, que o que eu sinto por você vai mudar. Sentimentos são mais complexos que isso. Não podemos desligar e ligar de novo quando for mais conveniente. Quisera eu que fosse assim, daí não precisaríamos passar por isso. Deus, como eu queria poder religar o que sentia por mim.


Você não tem noção de como tenho pensado em você nesses dias. Mesmo não tendo nada físico seu pra guardar, você me assombra. E o que me assusta mais é que eu gosto disso. Eu não quero deixar de pensar em você, não quero te esquecer. Não quero que sua lembrança vá embora como se nunca tivéssemos nos conhecido. Eu não quero perder o que ainda tenho de você. Eu quero ter mais. Eu prefiro viver sabendo que tive você e perdi, do que nunca ter tido você comigo. Mesmo que isso nunca mais se repita, preciso lembrar que um dia fui a razão do seu sorriso.

O que tenho pra dizer mesmo é que tudo que eu mais quero agora é estar com você. E, se você sente ao menos um pouco a minha falta, se em alguma hora do seu dia se lembra do tempo que passamos juntos e se sente bem com isso, me deixe mostrar que posso fazer bem melhor. Sei que não posso fazer você me amar, mas eu sei que posso te fazer feliz. Então me deixe pelo menos tentar. Não haverá um só dia em que não estarei feliz por estar contigo e que eu não me esforce pra te fazer sentir o mesmo. Não me deixe com o peso de saber o que poderia ter sido e não tê-lo vivido.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Carta aberta à amiga que um dia existiu

Por onde será que tem andado? Que rumos sua vida levou? Se vive com os pais ainda na mesma casa, ou casou-se e teve uma filha. Pensei ter te visto há algumas semanas, sentada no último banco da condução. Devia ser mesmo você. Quando passei a catraca e te vi, também olhando pra mim, estremeci surpresa. Susto acho que é a palavra mais adequada.

Faz anos desde a última vez, mas não gosto de me lembrar dela. Se quer saber, gosto de lembrar como éramos antes de toda aquela confusão. Quando nos conhecemos e éramos as mais inteligentes da classe. Sempre queridas pelos professores e com as melhores notas de provas e trabalhos. Você sempre foi mais aplicada, eu tinha sorte. Você ganhava a medalha de melhor aluna, e eu o respeito dos colegas.

Gosto de lembrar-me como, mesmo em escolas diferentes, nos encontrávamos ao menos uma vez por semana pra nos colocar a par dos acontecimentos: o primeiro beijo, o primeiro amor, as descobertas que vinham com isso. Você sempre parecia reluzente ao me contar suas histórias e empolgada em ouvir as minhas. Minhas aventuras de final de semana. Você costumava rir e me rotular de malvada por esnobar uns garotos. Passávamos horas assim.

Trocamos livros, presentes, segredos. Tínhamos até o projeto de morarmos “sozinhas juntas” um dia. Ficávamos mirabolando os futuros dias cheios e divertidos que teríamos na nossa casa. Desde festas às sextas-feiras a namorados passando a noite. O carro que dividiríamos e a carona que daríamos a todos os amigos a caminho da balada. Ia ser incrível e eu mal podia esperar pra viver tudo aquilo, mas sequer chegamos perto.

Eu não sei o que pode ter acontecido e te levado a agir daquela forma comigo. O que, de tão grave, te fez esquecer ou passar por cima de nossa cumplicidade a ponto de me magoar tanto.  Ouvi diversas teorias a respeito, acredite, de parentes e amigos. Especulavam ciúme, inveja, até loucura (e essa era a mais repetida). Eu as ouvia, ponderava e concordava com algumas de tão machucada que estava. Mas no meu íntimo, ainda hoje, renego todas elas. Não consigo acreditar que você seja uma pessoa má.

Quis te dizer isso aquele dia no ônibus. Naqueles segundos que fiquei de pé, observando que não mudara quase nada nesses anos, a não ser por parecer mais madura – e triste. Quis te dizer que não guardo ressentimento ou rancor algum sobre o que passou. Te dar um abraço e perguntar se estava bem. Não queria saber mais seus motivos, já te desculpei há muito tempo, mas queria te ouvir pedir desculpas pra acabarmos logo com tudo isso.

Quis e pensei em fazer tanta coisa e nada fiz. Limitei-me a sentar num dos bancos da frente e relembrar, assustada demais pra andar até o fim do corredor.  Quando enfim tomei coragem para olhar pra trás, você já havia saltado e levado consigo minha esperança de resolução. Fiquei desapontada por um momento e aliviada em seguida. Está bem assim. Tive uma amizade, aprendi muito com ela e vou guardá-la para sempre comigo. Tive a oportunidade de ver que está seguindo sua vida e vou fazer exatamente o mesmo.


Felicidades, de sua amiga de Vicente Amato.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Minha casa


Conservo a pintura da fachada e abafo os barulhos internos, para não perturbar os vizinhos. Ora, um bom isolamento acústico garante a privacidade e mantém as aparências. Ninguém quer ou precisa saber em que pé está a bagunça ali dentro.

Vezenquando, abro a janela para entrar luz e renovar o ar. Tomando cuidado de não as deixar abertas por muito tempo. Alguém pode olhar demais e notar desarranjos. Um porta-retratos virado, papéis amontoados, um dominó desfalcado ou um quebra-cabeça interrompido. Um lençol cobrindo a roupa suja – que um dia hei de lavar.

É preciso estar atenta. Se desconfio de um olhar espichado apresso-me a trancar as janelas. Imagine só que vexame descobrirem que sou falha em administrar o lugar que habito. Melhor não arriscar.

As vidraças estão sempre limpas e o carpete “bem-vindo” aprumado e convidativo. Há também um confortável jogo de cadeiras na varanda, perfeito para jogar conversa fora e nada mais. Ofereço o exterior, aqui dentro só a mim cabe.

Aqui dentro, me expresso entre os limites do concreto. Liberdade medida e autocensurada.

Os móveis ocupam o quarto, souvenires caem na estante em companhia a fotos ignoradas. Música vívida sai do stereo em contraste ao silêncio mórbido do cômodo. Paredes pálidas, escritos empoeirados, ruídos medíocres. Onde outrora havia arte, cantos inexpressivos. Tudo coberto por luz branca e gélida. Um conjunto vazio.

Parece inconcebível, mas depois que se acostuma, é confortável ser assim.



segunda-feira, 29 de abril de 2013

Caribé

Sob o olhar de Kurt Cobain
Meus olhos cortam as sombras
Do meu quarto sem janelas
Do meu livro de novelas
Ao som da Jane Fonda

Sob a luz do sol de março
Gasto a sola do all star preto
Marco as costas em nadador
Sobre pedras e ladrilhos cor
Por anéis, cigarros e segredos

Pela orla do Velho Chico
Sob abraços semi-conhecidos
De semi-leigos da história
Que se dissipam na memória
Aprecio meu tempo perdido

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05 de Março de 2010, Petrolina - PE
Quando eu sabia ainda menos.


Não penso, logo sinto

Tua mão assume minha pele, percorre minhas curvas.  Desarruma-me os cabelos - e o juízo. Redesenha minhas pernas, me aperta a nuca e me puxa pra perto. E me invade. E me une a ti de tal forma que deixamos de ser dois. Lança-se mão de toda racionalidade. Cabeça vazia, peito cheio. Que sou eu se não uma extensão do sentir? Do tato, do desejo, do límbico? Que dirá do reptílico? Te bebo, me tomas. Nos temos. Que queremos mais? Então me sente, me devora e ignora toda regra da boa escrita e bom cidadão. Te prendo em mim e não largo.  - Não penso, logo sinto.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Ele


Eu o amo, sabe? Não, não tem como você saber. Acredito que ninguém mais tenha tido a sorte de chegar ao nível do que sinto hoje. Uns dizem que é dependência, mas eu não ligo. Por que me importaria em depender de ficar do lado de alguém quando, na verdade, estar lá é tudo o que eu quero? Se eu me sinto satisfeita, preenchida, extasiada? Se a presença dele me faz o bem que nenhuma outra coisa pode me fazer? Não existe nada que traga a felicidade que ele me traz.

Quando eu acordo, meu primeiro pensamento é se ele está bem, se dormiu bem, se está de mau ou bom humor. Eu programo minha rotina de modo que coincida com a dele. Para que eu possa almoçar e jantar nos mesmos horários que ele. Me levanto cedo pra que eu possa vê-lo sair e desejar um bom dia. Para que o sinta cada vez mais perto de mim.

Eu demonstro o meu amor o tempo todo. Por cartas, bilhetes, mensagens. Gosto que saiba que tem alguém que se importa muito e que mataria por ele se necessário. Quero que tenha certeza que está sendo amado tanto quanto me ama. Ele não demonstra da mesma forma, claro. Tem seu próprio jeito de me amar, e eu também gosto desse.

Ele é tímido e muito atarefado, não tem muito tempo para essas manifestações de afeto, mas quando o faz é inesquecível. Sempre me emociono. Sou meio boba, sabe? Aliás, com ele estou sempre boba. Ele me faz perder o chão, as palavras, o ar. Quando está por perto, minhas pernas ficam bambas e me sinto longe de todo e qualquer problema, porque estou segura ao seu lado.

Meu amor por ele não se abala. E é eterno, eu sei. Mesmo com os problemas que vimos tendo, nós vamos nos acertar e tudo ficará bem novamente. Por algum motivo, ultimamente ele vem se afastando de mim, mas sei que reverteremos essa nossa crise. Todo casal passa por uma fase difícil, em que não têm certeza se devem realmente ficar juntos. Bom, eu tenho certeza suficiente por nós dois e vou provar que estou certa. Ele só está um pouco confuso, com medo de se envolver mais. Homens têm dessas coisas.

Nós tivemos sim uma discussão. Casais em crise costumam brigar, é normal. Eu me alterei, confesso. Mas ele estava dizendo coisas sem sentido, não havia verdade nas palavras que saiam de sua boca. Acho que estava tão assustado com o que sente que inventou motivos pra fugir de si mesmo. Chegou ao ponto de negar nosso amor.

Você sabe o quanto isso dói? O quanto machuca se entregar tanto a uma pessoa e ela desdenhar teus sentimentos? Você sabe como é ter seu amor rejeitado? Você se sente diminuída, desvalorizada, humilhada. Cria-se uma ferida grande demais para conter. Eu estava sangrando por dentro e enfurecida por ele estar mentindo pra mim daquele modo. Eu tinha de fazê-lo parar, mas não conseguiria sem que o fizesse sentir a mesma dor que eu estava sentindo. Ele precisava saber, entende?

Eu não sei bem como fiz, não me lembro. Estava cega pela mágoa que ele me causou. Mas ao vê-lo desacordado eu voltei a mim. Mais calma pude compreender que era como uma criança, apavorado com tudo o que estava sentindo. Eu já o perdoei. As enfermeiras disseram que irá se recuperar e, quando voltar, eu estarei aqui. Esperando por ele. Meus amigos, e os dele também, estão com muito ciúme e ficam mentindo pra mim, inventando histórias a respeito de nós dois. Eu os perdoo também. Em meu coração não há espaço pra ódio, rancor ou sentimentos ruins, apenas para o amor que sinto por ele. E não vou deixá-lo ir. Nunca.
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Inspirado no filme "A la folie... pas du tou"

sábado, 13 de abril de 2013

irônico, não?



Alguma vez já se sentiu tão feliz a ponto de ter medo? As coisas melhoram instantaneamente e permanecem assim sem que você consiga encontrar um motivo lógico para aquilo ter acontecido. Você tem o mesmo emprego, mesma casa, tem os mesmos amigos, mora na mesma vizinhança de sempre e simplesmente tudo passa a ter um brilho diferente.

Você acorda pela manhã e não se importa do despertador ter cortado a melhor parte do sonho porque sente que, na verdade, a melhor parte você pode começar a fazer agora, na vida real. O céu está mais azul, as pessoas estão mais bonitas e os pets estão encantadores. Você deseja bom dia pro sol porque, subitamente, passou a enxergar beleza na natureza e nos detalhes do seu dia.

Sua rotina não tem mais o peso de sempre, virou prazer. Suas expectativas a respeito do mundo tornaram-se incomparavelmente melhores. É como se o tempo passasse num ritmo diferente e você pudesse notar a graça de estar vivo. Você se sente feliz quase que apenas pelo fato de existir. E, quando se dá conta, percebe o quão assustador isso é.

Digo, não há nada de errado em estar contente, o que parece errado é não saber bem o que te levou a isso. Algo sustenta sua felicidade e não há como impedi-lo de ir porque não se faz ideia do que seja tal coisa.

Não temos medo de ser felizes. Temos medo de perder a felicidade e não conseguir recuperá-la tão cedo ou, quem sabe, nunca mais. Não sabemos quão triste somos até experimentarmos o verdadeiro riso. E agora, cientes de nosso estado de felicidade, como lidar com a possibilidade iminente de perdê-lo?

Você começa a lutar contra um inimigo invisível. Passa estragar dias de sorriso com o receio infundado de ver o que tem ser destruído por algo inexistente. E acaba por desmoroná-lo por si mesmo. Irônico, não? Você não quer que acabe e se torna o próprio causador do fim.

Não, não há reviravolta dessa vez. É isso.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Tua ausência


Às vezes chego em casa e subo diretamente ao quarto, achando que te encontrarei deitada, assistindo TV. Abomino minha mente por me pregar tais peças. Como quando o gato derruba a louça na pia e eu imagino que você está de volta à cozinha, preparando sua especialidade e único prato “macarrão ao molho rosa”. Você nunca me contou como consegue deixá-lo dessa cor e eu não te encontro mais lá. Apenas tua ausência é o que se apresenta a mim, todos os dias, em todos os cantos da casa.

Eu nunca entendi bem a definição de vazio. Achava saber quando lia esses novos autores ou ouvia O Livro dos Dias, mas só realmente soube após te perder. Descobri o quanto o vazio preenche o vago e nos deixa sem alternativa, senão encará-lo, dia após dia.

Eu não sabia que o nada podia ser grande assim.


Refaço sempre teu caminho costumeiro, visito teu escritório. Leio teus cadernos de novo e de novo. Tentativas de te sentir perto ou ouvir tua voz novamente. Escuto suas músicas favoritas para me avivar à memória o teu canto descompassado e tua desconstrução da dança. Hoje, de longe, o mais belo show que vi.

À noite, antes de dormir, sucumbo ao peso que sustentei ao longo das horas, inventando uma força que já não existe. Deixo sangrar. O pesar sincero machuca ainda menos que o mais belo riso imposto. Então choro. E, em algum momento antes do sono, em meu inconsciente debilitado, sei que você vem me confortar. E é exatamente isso que me faz levantar pela manhã. Só você pode.

Ignorando a todos os conselhos vindos de quem não entende a minha dor, vivo em tua morte. Porque é tudo o que me deixou, e, se tivesse de viver sem nada teu, então assim eu morreria.

Eles não sabem o que dizem.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Ensaio

Recobrando à minha essência,
talvez tola e débil,
tomo do lápis e papel deixados.
Outrora sagrados,
sutilmente reassumem seu lugar
Pedem licença para voltar
à intimidade que sufoquei.
Ignorando não-sei-quê de mim
que sofri a perda sem notá-lo ir.
Me resigno a deixar fluir
Com um afago terno do retorno tardio.
Lentamente sinto se esvair
O pesar que me assolava peito
Deixa-me, escorre-me entre os dedos
e deita-se dentre essas linhas.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Chá&Café


Pare e observe. Eu não aguento isso. Por que você não enxerga que estou aqui me corroendo? Você sabe, eu me faço de forte. Finjo que não me importo, que não sinto falta de te olhar nos olhos. Mas achei que ficasse meio óbvio que estou desconfortável quando resolvo ouvir música no segundo em que você pega um livro. Quando respondo monossilabicamente todas as suas tentativas de conversa casual. Quando eu corro pra janela só pra ver você descendo a rua depois que bate a porta. Quando imploro muda pra que você coloque um fim nisso tudo. Quando... Até quando? Esses não somos nós.

Quando eu ouço música você levanta e me tira pra dançar. Quando você está fatigado, eu te abraço e digo como tudo vai ficar bem. Quando estou emburrada, você me faz rir dizendo que fico linda ressaltando minhas rugas. Quando você lê, eu te trago café e me recosto no seu ombro. Quando eu chego, você me traz chá e deita comigo no sofá. Quando você sai para o trabalho, eu te levo até a porta e me despeço com um beijo.  Você está vendo? Esses somos nós. Somos melodramáticos e felizes – ou éramos.

Agora somos qualquer coisa muito distante de “felizes”. Você fica sentado na poltrona, tomando um café horrível que você mesmo fez. Pega seu livro de finanças e finge estar absorto, mas eu sei que o franzido na sua testa não é de concentração. Quase posso ouvir seus pensamentos de tão alto que gritam em sua mente. Gostaria de poder ouvir. Sei que está pensando em nós e em como a cada dia o clima fica mais pesado, beirando o insustentável. Nossa descrença é quase palpável pairando no ar. Gostaria mesmo de poder ouvir seus pensamentos. Assim saberia se pra você a solução é consertar ou jogar fora. Adquirir uma nova. Só em pensar me vejo nervosa.

Nervosa. Nervosa define bem o que tenho sido ultimamente. Estou sempre a flor da pele e a culpa é sua/nossa. Qualquer um lê no meu rosto como a sua distância presente me faz mal. Cada poro da minha pele exala frustração. E se isso não basta para enxergarem, minhas olheiras denunciam que há algo de errado. Como consegue dormir? Por mais que eu faça, não consigo. Passo a noite velando teu sono, vendo teu peito subir e descer. Me perguntando quando foi que começamos a nos distanciar, se é que realmente há um evento exato no tempo que inaugurou o início do nosso fim. Se foi quando eu arranhei o seu carro ou você o meu disco. O que foi que arranhou a nossa existência perfeita? Não, não estou exagerando. Nós éramos perfeitos. Ao menos você sempre foi pra mim.

Eu tenho uma ideia. Eu descarto meu orgulho, você o seu senso de justiça. Fiquemos bem. Vamos fingir que nada aconteceu. Você nunca gritou comigo, eu nunca te empurrei. Tudo isso não passou de um sonho ruim. Quando chegar, eu faço chá e um café fresquinho só pra você. Você me conta como foi seu dia e o quanto sentiu vontade de me ligar no meio da reunião pra contar como é hilário o Siqueira praticando seu “portunhol” com os sócios. E então você me beija e diz que está na hora de subirmos pro nosso quarto pra não dormirmos. Pra matar essa falta que eu estou de você. Ou pra levarmos o colchão pra sala, pedir pizza e ficarmos vendo filmes repetidos que nunca enjoamos.

Eu aceito a ideia. Você podia aceitar também. Nós somos passíveis de conserto. Porque temos muito a conviver e aprender um sobre o outro. Eu vou ver esse seu topete perder volume e você vai me ver perder certas curvas. E vamos nos amar ainda mais pra compensar essa perda. Comecemos de novo, nem precisa falar nada. Façamos um acordo calado. É só chegar e pegar o que ainda é seu e será por muito tempo.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Perfil


Quero um amor maduro, do tipo que se sabe as fraquezas e limitações. Um amor real, sem fantasia. Não quero que chame a mim de Julieta e eu a você de Romeu. Quero um amor que não invente pseudônimos e tenha completa ciência do que é. Pra ser simplesmente José e Maria, completos em si. E verdadeiros.  Porque o amor pode até ser sonho, mas ele só existe e dá certo quando estamos acordados. Não dá pra bancar o sonâmbulo e andar por aí fingindo perfeição.  Quero um amor de coração aberto, mas, sobretudo, os olhos e a mente. 


domingo, 2 de dezembro de 2012

Meu último sobre você



Eu tento. Começo várias frases de impacto e de repente travo. Ficam meus dedos pousados em cima do teclado esperando pela volta de uma palavra que traduza os meus pensamentos tão seus. Mas ela não vem. Deveria ver meu desktop. Ele é só um monte de rascunhos do Word de no máximo três linhas. Tão confusos que nem eu mesma saberia te dizer o que senti quando os redigi. E juntos devem fazer ainda menos sentido.

Sei lá. Te transcrevo já há tanto tempo que acho que desaprendi a usar qualquer outro tema. Falar sobre natureza, música, livros ou até mesmo sobre novos amores não seria sincero. Talvez eu tente escrever sobre o som dos Bee Gees que vaza da casa do meu vizinho. Cotidiano – ou, em outras palavras, minha vida chata sem você.

Olha só você aqui de novo. É um vício, um mau hábito. E, como você sabe, maus hábitos sempre voltam. Esse hábito assim mal vindo, mas muito bem instalado. Hábito pouco cordial que só ocupa espaço e já não tem mais serventia.

Quer saber? Te exorcizo de mim. Você já não dá poema, crônica, música, conto ou prosa. Nem versinho infantil de quatro estrofes ou cantiga de ciranda. Você não é mais matéria prima de nada bonito. Porque eu já suguei tudo que tinha pra sugar do que sobrou de você nos meus dias. Eu excedi minha cota de você e a caneta já tinha percebido isso há muito tempo. Só faltava eu. Mas agora que me dei conta me despeço com pesar e sem remorso.

Adeus inspiração.