sexta-feira, 21 de julho de 2017

De volta aos cigarros

Voltou a fumar, por si. Não devia, até mesmo porque já estava quase chegando naquela vida saudável digna de ser postada no instagram. Voltou a fumar, mesmo que parecesse que não, jurou que era por sua saúde mental.
Voltou a fumar porque não desenhava mais. No máximo ensaiava um rabisco ou outro, mas não sentia a satisfação de outrora. Não passava mais horas e horas investigando tons, entortando a cabeça para esquerda e para direita a fim de contemplar e corrigir sua obra. Aliás, nem lhe sobravam mais tais horas. As gastava dormindo.
Voltou a fumar porque não cantava mais. Seus afazeres domésticos, que costumavam ter trilha sonora cantada do inicio ao fim, intercalados por uma taça de vinho e um áudio musical pra um amigo no whatsapp, agora são acompanhados, quando muito, por uma playlist qualquer do seu aplicativo de músicas. Voltou a fumar porque não compunha mais. Um dia teve o dom da palavra, transformava tudo que sentia em crônicas e canções sobre o que viesse na cabeça. E tudo lhe revigorava. E não havia peso que permanecesse consigo por mais que algumas horas.
Voltou a fumar porque, poderia ter um amante ou amizade colorida que lhe embriagasse da endorfina do sexo por sexo, mas as pessoas agora lhe cansavam... julga-as complicadas demais, criadoras e geradoras de expectativas demais... preferiu concentrar toda sua paciência em lidar com a própria ansiedade.
Voltou a fumar porque, fraco, seu eu atual era incapaz de aguentar a rotina estressante sem o auxílio da nicotina. Então esperou que seu eu do futuro perdoasse sua decisão de deixar para ele a tarefa de lidar com os problemas respiratórios e a propensão ao câncer. Voltou a fumar porque decidiu voltar a escrever, e a desenhar, e a cantar, e a beber e - dane-se o clichê - nada acompanhava tão bem tudo isso.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

13:13


Eu te amei muito um dia. Contrariando a previsão de todos que me julgavam dura demais para amar, eu te amei. Eu te amei tanto que doía a remota possibilidade de nunca mais te ver. Eu te amei e esse amor deixava meus dias mais fáceis e minha existência mais leve, apenas pela certeza de querer bem a alguém e esse alguém me querer bem de volta. 

Talvez não seja justo eu te culpar por isso, mas quando meu amor por você foi sendo machucado e o senti diminuindo, eu tive ódio por você levar uma das poucas coisas boas que eu tinha. Agora eu odeio não te amar mais, eu te odeio por não ter cuidado da gente.

Porque o que tínhamos era bem aquela definição de Coríntios 13: paciente, benigno, não era invejoso, não se vangloriava e nem se ensoberbecia; não era egoísta, não se irritava, não suspeitava o mal; era justo e verdadeiro. Mas, por mais que eu quisesse que ele também encaixasse ao versículo que diz que o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta, o meu não era indestrutível. E te culpo por ter visto eu deixar de te amar aos pouquinhos e só ter feito algo quando era tarde demais.

Eu te odeio por ter assistido pacífico minha paz se esvair. Ela se foi e em seu lugar ficou um monte de nada, que coisa alguma preenche. Então hoje eu te culpo e te odeio por me sentir vazia e não conseguir amar a mais ninguém. Nem a mim mesma.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Frequência

Não brigo, a não ser comigo mesmo. Grandes discussões me deixam desnorteado.  Ainda criança criei o hábito de engolir sapos e agora, na fase adulta, não consigo me livrar dele. Antes me safava dos cascudos do meu irmão evitando discordar dele, hoje adio tensões me limitando a sorrir e deixar pra lá. Relevar. Não percebi que estava construindo meu mal.

Li em algum lugar que psicólogos chegaram à conclusão de que agradar a todos não é o caminho para a felicidade. Bem, queria que tivessem me dito isso alguns anos atrás. Talvez os teria ouvido e não tivesse que relembrar o meu próprio corpo a como respirar em uma situação de estresse. Talvez o ar não pesasse uma tonelada nessas ocasiões.

É simples e idiota. Posso me articular bem em meio a uma discussão, mas se ela torna-se mais acalorada, eu recuo. Alguns me chamam pacífico, mas eu sei que não passo de um covarde, um ser humano que não sabe lidar com outros. Porque a existência e convivência humana são cheias de vaidades, picuinhas, transtornos... e não compartilhar delas é isolar-se da sociedade.

Então cá estou eu transmitindo minhas ideias da minha própria ilha, exilado por força maior que as minhas. Aos que me classificam apenas como um esquisito antissocial, eis a minha verdade: eu não renego vocês, eu apenas não sou daí. Eu não aprendi seus valores. Coisas que lhes são banais, como ignorar e subjugar os diferentes, me machucam o âmago. Supervalorizar a si mesmo a ponto do outro não passar de coadjuvante em todos os aspectos, é uma guerra solitária da qual eu não quero fazer parte.

Mas numa brincadeira cruel dos deuses, me puseram entre os homens em vez de entre os lobos, e aqui não é possível sobreviver à parte. Então me esforço para passar despercebido. Faço o melhor pra que tenha que lidar apenas com a minha prisão invisível, onde meus conflitos internos tentam me convencer, dia após dia, que eu sou tão melhor que todo o restante dos homens ou uma escória da humanidade. Onde eu tento me equilibrar entre o amor e ódio por mim mesmo, enquanto treino emular um sorriso espontâneo após uma piada desrespeitosa do chefe, quando na verdade eu gostaria de manda-lo calar a boca. Mas isso resultaria em um confronto em qual não estou apto a participar, então volto resignado à configuração anterior de apenas assistir ao convívio alheio.

Sorrir de volta quando sorriam pra mim. Ignorar provocações que eventualmente surgem. Tomar um café forte no início e ao fim do dia. Ir à terapia uma vez por semana. Ler e assistir conteúdo sobre comunidades distantes... Consumir tudo que me assalte a realidade por instantes e não me faça esquecer de como o ar passa por meus pulmões.