terça-feira, 8 de outubro de 2013

Carta aberta à amiga que um dia existiu

Por onde será que tem andado? Que rumos sua vida levou? Se vive com os pais ainda na mesma casa, ou casou-se e teve uma filha. Pensei ter te visto há algumas semanas, sentada no último banco da condução. Devia ser mesmo você. Quando passei a catraca e te vi, também olhando pra mim, estremeci surpresa. Susto acho que é a palavra mais adequada.

Faz anos desde a última vez, mas não gosto de me lembrar dela. Se quer saber, gosto de lembrar como éramos antes de toda aquela confusão. Quando nos conhecemos e éramos as mais inteligentes da classe. Sempre queridas pelos professores e com as melhores notas de provas e trabalhos. Você sempre foi mais aplicada, eu tinha sorte. Você ganhava a medalha de melhor aluna, e eu o respeito dos colegas.

Gosto de lembrar-me como, mesmo em escolas diferentes, nos encontrávamos ao menos uma vez por semana pra nos colocar a par dos acontecimentos: o primeiro beijo, o primeiro amor, as descobertas que vinham com isso. Você sempre parecia reluzente ao me contar suas histórias e empolgada em ouvir as minhas. Minhas aventuras de final de semana. Você costumava rir e me rotular de malvada por esnobar uns garotos. Passávamos horas assim.

Trocamos livros, presentes, segredos. Tínhamos até o projeto de morarmos “sozinhas juntas” um dia. Ficávamos mirabolando os futuros dias cheios e divertidos que teríamos na nossa casa. Desde festas às sextas-feiras a namorados passando a noite. O carro que dividiríamos e a carona que daríamos a todos os amigos a caminho da balada. Ia ser incrível e eu mal podia esperar pra viver tudo aquilo, mas sequer chegamos perto.

Eu não sei o que pode ter acontecido e te levado a agir daquela forma comigo. O que, de tão grave, te fez esquecer ou passar por cima de nossa cumplicidade a ponto de me magoar tanto.  Ouvi diversas teorias a respeito, acredite, de parentes e amigos. Especulavam ciúme, inveja, até loucura (e essa era a mais repetida). Eu as ouvia, ponderava e concordava com algumas de tão machucada que estava. Mas no meu íntimo, ainda hoje, renego todas elas. Não consigo acreditar que você seja uma pessoa má.

Quis te dizer isso aquele dia no ônibus. Naqueles segundos que fiquei de pé, observando que não mudara quase nada nesses anos, a não ser por parecer mais madura – e triste. Quis te dizer que não guardo ressentimento ou rancor algum sobre o que passou. Te dar um abraço e perguntar se estava bem. Não queria saber mais seus motivos, já te desculpei há muito tempo, mas queria te ouvir pedir desculpas pra acabarmos logo com tudo isso.

Quis e pensei em fazer tanta coisa e nada fiz. Limitei-me a sentar num dos bancos da frente e relembrar, assustada demais pra andar até o fim do corredor.  Quando enfim tomei coragem para olhar pra trás, você já havia saltado e levado consigo minha esperança de resolução. Fiquei desapontada por um momento e aliviada em seguida. Está bem assim. Tive uma amizade, aprendi muito com ela e vou guardá-la para sempre comigo. Tive a oportunidade de ver que está seguindo sua vida e vou fazer exatamente o mesmo.


Felicidades, de sua amiga de Vicente Amato.

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