Por onde será que tem andado? Que
rumos sua vida levou? Se vive com os pais ainda na mesma casa, ou casou-se e
teve uma filha. Pensei ter te visto há algumas semanas, sentada no último banco
da condução. Devia ser mesmo você. Quando passei a catraca e te vi, também
olhando pra mim, estremeci surpresa. Susto
acho que é a palavra mais adequada.
Faz anos desde a última vez, mas
não gosto de me lembrar dela. Se quer saber, gosto de lembrar como éramos antes
de toda aquela confusão. Quando nos conhecemos e éramos as mais inteligentes da
classe. Sempre queridas pelos professores e com as melhores notas de provas e
trabalhos. Você sempre foi mais aplicada, eu tinha sorte. Você ganhava a
medalha de melhor aluna, e eu o respeito dos colegas.
Gosto de lembrar-me como, mesmo
em escolas diferentes, nos encontrávamos ao menos uma vez por semana pra nos
colocar a par dos acontecimentos: o primeiro beijo, o primeiro amor, as
descobertas que vinham com isso. Você sempre parecia reluzente ao me contar
suas histórias e empolgada em ouvir as minhas. Minhas aventuras de final de
semana. Você costumava rir e me rotular de malvada por esnobar uns garotos.
Passávamos horas assim.
Trocamos livros, presentes,
segredos. Tínhamos até o projeto de morarmos “sozinhas juntas” um dia. Ficávamos
mirabolando os futuros dias cheios e divertidos que teríamos na nossa casa.
Desde festas às sextas-feiras a namorados passando a noite. O carro que
dividiríamos e a carona que daríamos a todos os amigos a caminho da balada. Ia
ser incrível e eu mal podia esperar pra viver tudo aquilo, mas sequer chegamos
perto.
Eu não sei o que pode ter
acontecido e te levado a agir daquela forma comigo. O que, de tão grave, te fez
esquecer ou passar por cima de nossa cumplicidade a ponto de me magoar
tanto. Ouvi diversas teorias a respeito,
acredite, de parentes e amigos. Especulavam ciúme, inveja, até loucura (e essa
era a mais repetida). Eu as ouvia, ponderava e concordava com algumas de tão
machucada que estava. Mas no meu íntimo, ainda hoje, renego todas elas. Não
consigo acreditar que você seja uma pessoa má.
Quis te dizer isso aquele dia no
ônibus. Naqueles segundos que fiquei de pé, observando que não mudara quase
nada nesses anos, a não ser por parecer mais madura – e triste. Quis te dizer
que não guardo ressentimento ou rancor algum sobre o que passou. Te dar um
abraço e perguntar se estava bem. Não queria saber mais seus motivos, já te
desculpei há muito tempo, mas queria te ouvir pedir desculpas pra acabarmos
logo com tudo isso.
Quis e pensei em fazer tanta
coisa e nada fiz. Limitei-me a sentar num dos bancos da frente e relembrar,
assustada demais pra andar até o fim do corredor. Quando enfim tomei coragem para olhar pra
trás, você já havia saltado e levado consigo minha esperança de resolução.
Fiquei desapontada por um momento e aliviada em seguida. Está bem assim. Tive
uma amizade, aprendi muito com ela e vou guardá-la para sempre comigo. Tive a
oportunidade de ver que está seguindo sua vida e vou fazer exatamente o mesmo.
Felicidades, de sua amiga de Vicente
Amato.
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