quinta-feira, 27 de junho de 2013

Minha casa


Conservo a pintura da fachada e abafo os barulhos internos, para não perturbar os vizinhos. Ora, um bom isolamento acústico garante a privacidade e mantém as aparências. Ninguém quer ou precisa saber em que pé está a bagunça ali dentro.

Vezenquando, abro a janela para entrar luz e renovar o ar. Tomando cuidado de não as deixar abertas por muito tempo. Alguém pode olhar demais e notar desarranjos. Um porta-retratos virado, papéis amontoados, um dominó desfalcado ou um quebra-cabeça interrompido. Um lençol cobrindo a roupa suja – que um dia hei de lavar.

É preciso estar atenta. Se desconfio de um olhar espichado apresso-me a trancar as janelas. Imagine só que vexame descobrirem que sou falha em administrar o lugar que habito. Melhor não arriscar.

As vidraças estão sempre limpas e o carpete “bem-vindo” aprumado e convidativo. Há também um confortável jogo de cadeiras na varanda, perfeito para jogar conversa fora e nada mais. Ofereço o exterior, aqui dentro só a mim cabe.

Aqui dentro, me expresso entre os limites do concreto. Liberdade medida e autocensurada.

Os móveis ocupam o quarto, souvenires caem na estante em companhia a fotos ignoradas. Música vívida sai do stereo em contraste ao silêncio mórbido do cômodo. Paredes pálidas, escritos empoeirados, ruídos medíocres. Onde outrora havia arte, cantos inexpressivos. Tudo coberto por luz branca e gélida. Um conjunto vazio.

Parece inconcebível, mas depois que se acostuma, é confortável ser assim.



Nenhum comentário:

Postar um comentário