terça-feira, 4 de novembro de 2014

t.a.g



Cuido que essas minhas dores não são puramente físicas. Dói-me a cabeça e enrijece-me o pescoço em resposta aos anos de provação. Li uma vez “esse seu peso nas costas pode ser suas asas paradas”, e essa frase assim, numa metáfora simples, falou mais diretamente a mim que diversos poemas já lidos. Hoje, que sou se não um ser prensado pelas más experiências? Diariamente, permitindo-me ser sobreposto pelos medos e anseios, calando-me por puro recato débil.

Minhas asas atrofiam-se e, por negligência, deixo-as cessarem sem lutar. Vezenquando tenho o ímpeto de batê-las e tentar voar novamente, mas as dores me paralisam. Um impulso que se esvai tão rapidamente com o fracasso, que mal vale a tentativa.  Dói-me o peito e meu coração, que já não sabe que ritmo seguir nessa hora, suplica por descanso. E a respiração, pesada e custosa, impede-me de prosseguir.

Meus inimigos, muito pior que a minha frente, estão dentro de minha cabeça e têm a mim como maior aliado. Quando combatê-los me é caro, torna-se muito mais confortável a rendição e,  quando desistir parece o sensato a se fazer para sobreviver, você o faz. Não existe análise crítica quando o ar simplesmente não chega a seus pulmões e não se consegue pensar noutra coisa que não respirar.

Cuido que essas minhas dores não são físicas.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Zona de conforto


Sempre achei lindo isso de quem ama sem pudores. Quem na maior cara dura, sem escolher palavras bonitas ou evitar clichês, enche a boca e solta um “eu te amo” bem grande quantas vezes quiser. Admiro essa coragem deles. Doam-se sem cogitar o desengano, o descaminho, o desencontro. Pessoas que não parecem ter no dicionário a palavra Cautela. Esse povo doido. Românticos.

Mas essa admiração é aquela mesma que se tem quanto às quedas d’água. Olho de longe e sorrio bestificada, às vezes, logo depois me afasto. Bem sei que são águas velozes e imprevisíveis. Traiçoeiras e perigosas até pro mais experiente dos mergulhadores, que dirá pra mim, que não nado nem cachorrinho. Me afogaria em dois tempos. Deixo-as caírem por lá e fico só com o burburinho bom que se ouve daqui.

Não sei da roupa encharcada grudando no corpo, da massagem da água caindo-me nas costas e nem do silêncio da imersão no rio. Contudo, também não sei do frio congelante do vento soprando na pele molhada, do ser inevitavelmente arrastada pela correnteza e da apneia quando submergida.

sábado, 2 de agosto de 2014

a banca

Envelhecer e descobrir que não existe mesmo isso de esquecer, de desamar. Você apertar a mão de quem um dia foi seu mundo inteiro e não sentir absolutamente nada. Não existe, cara. Você se afasta, muda de ares e de amigos, deixa de revisitar lembranças e jura que está acabado. Mas um belo dia, ao rever aquela pessoa, sente uma coisinha se revirar, espreguiçar e acordar no peito: pronto, está vivo de novo.

Um aperto de mão de meio segundo e uma avalanche de sentimentos vem em sua direção, perto e rápido demais pra desviar, está feito, você é atingido. Quando se dá conta está forçando um sorriso e olhando pros lados, tentando inviavelmente fugir. O coração bate descompassado e torce pra que ninguém note que está se sentindo como no dia da defesa do seu tcc, ansioso pra provar que esses semestres tiveram valia e você realmente aprendeu a lição. Eu sei, foi exatamente como me senti.

Ela usava salto alto e um vestido justo turquesa, de comprimento um pouco acima do joelho, que contrastava com tudo que gostava de vestir e contrariava sua personalidade despojada que tanto admirei. Cabelos soltos em cachos minuciosamente modelados para durar toda a noite e batom vermelho para arrematar. Dizem que se deve vestir bem quando for a um encontro e ainda melhor se for encontrar um ex. Estava linda, com todas as curvas que me lembrava, mas o acessório que ostentava me fez questionar essa teoria: um acompanhante.

Eu, o cara solteiro que vai ao casamento do amigo azarar as primas da noiva.  Não sei se é o que todos estavam pensando, mas é o que achei que ela pensaria de mim. Derrotado, ainda sozinho depois de todos esses anos. Impressão que só piorou quando disse em seguida “Esse é o Otário, meu noivo”. O Otário apertou minha mão mais forte que o comum enquanto passava o braço em volta da cintura dela, o que me fez desejar que ele tivesse um aneurisma naquele instante e caísse duro no chão, um trágico e feliz final. Mas apenas o assisti tirá-la para dançar e caminharem juntos para o meio do salão.

Não conversamos mais naquele dia e nem em outro algum. Na semana seguinte fiquei me perguntando o porquê de todo aquele desconforto, do ciúme, da frustração por não poder ter novamente, da tristeza ao vê-la sair pela porta. Li o perfil público dela no Facebook de ponta a ponta e procurei seu rosto nas fotos do casamento postadas mais tarde. Buscava o registro de um olhar furtivo na minha direção ou um sorriso amarelo que denunciasse que estava tão desconfortável quanto eu. Queria uma pista de que estava secretamente infeliz e sentindo minha falta.  Não encontrei.

Pensei várias vezes em ligar, marcar uma cerveja, reconquistá-la aos pouquinhos. Pensei que foi um erro tê-la deixado escapar e que ainda estava profundamente apaixonado por ela. Nada fiz.  Após um tempo, deixei de pensar naquela festa. Senti aquela coisinha no peito revirar e adormecer de novo, quieta. Acredito que, se a ver mais uma vez, a coisinha vai se agitar e fazer algum barulho, mas nunca terá força suficiente pra me fazer discar o número dela de novo. Essa se foi há tempo demais, quando decidimos juntos que não dávamos mais certo. Segui.


O nome do noivo dela é Tarcísio. Mas, já me conformei, será sempre Otário pra mim.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Eu, falando sozinha

“Eu não escrevo mais. Todas as vezes que tenho um fio de inspiração e tento, acontece algo que a sequestra de mim. Seja alguém que resolve espichar a conversa ou um vizinho ouvindo música ruim. Tudo atravessa as paredes e atinge minha criatividade. É uma lástima, pois necessito escrever. É assim que faço as pazes comigo. Não precisa ser bom, só precisa me satisfazer. E se faço algo que não gosto fico de mal comigo. É difícil conviver com quem se tem uma richa, não há pra onde fugir. Meu desprazer me encara pela manhã, quando abro os olhos, e testemunha minha luta com a insônia. Às vezes até acho que ele torce por ela. Mas o que se pode fazer? Tudo que tenho são palavras amontoadas sem um mínimo de poesia. Sem alma. Forçar-me a escrever me traz ainda mais desgosto. A única ideia que paira em minha mente é o suicídio literário. A melhor que tenho em meses e sequer sei como executá-la. É isso, é o fim.”

Hoje tentei escrever uma canção. Sentei-me a escrivaninha e me posicionei confortavelmente em frente ao computador. Batuquei o teclado por uns minutos e lembrei-me que nunca fui bom de rima. Tentei transformar em algum tipo de poesia contemporânea, mas me faltou lirismo. Era só um amontoado de palavras sem beleza literária. Deletei. Perguntei-me onde será que poderia ter deixado meu eu poético e, do alto da minha preguiça já característica, desisti de procurar e quis inventar um novo.

Outro novinho em folha, que não me viesse arranhado e carregado de experiências desgostosas, que de tão marcado por antigos desafetos não fosse capaz de deitar uma linha sequer sem mencioná-los. Um eu poético ingênuo e curioso, que ignorasse as maldades passadas e falasse de tudo como quem experiencia algo pela primeira vez. Buscava em mim um poeta criança e temia jamais encontrá-lo.