quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Querido quase amor

Conforme o combinado, apagamos na frente um do outro nossos contatos no celular e ela se foi sem deixar endereço ou rastro a se seguir. Contando assim parece dramático - e um tanto sádico - , mas não foi. Foi a despedida a altura, cerimônia digna de marcar o fim de um ciclo. Hoje ela pode estar em Milão ou na rua de trás, quem sabe? Ficou acordado que não nos procuraríamos mais e esse seria nosso maior ato de romantismo. A forma de colocar poesia na nossa relação tão conturbada.

Não, nós não nos amamos. Tampouco planejamos uma vida a dois, em casa ampla e com crianças correndo atrás de um Golden Retrivier . Talvez sequer tenhamos chegado a nos apaixonar. Sei que tivemos o relacionamento mais ambivalente que um dia chegarei a ter. Porque fomos rasos e profundos ao mesmo tempo. Experimentamos doses de decepção e ódio um pelo outro quase tão intensos quanto os momentos de bem estar, aqueles que, se me permite lançar mão de misticismo pra explicar, sabíamos transcender a matéria.

Brigávamos para sempre e reatávamos em seguida, como duas crianças birrentas que performam a clássica cena do "corta aqui", rompendo a união dos indicadores numa metáfora para o fim da amizade, e dali a trinta minutos estão brincando juntas novamente. Nunca disse a ela, mas confesso que, no íntimo, achava divertido. Ria-me da nossa imaturidade proposital e gozava de cada segundo do conflito, invariavelmente terminado na cama, mesmo que apenas para dormir.

Rotula-me clichê, apesar de nos sabermos incompatíveis, o que tivemos foi único e especial. Tanto que preferimos não deixar pro acaso o cargo de colocar um fim. Porque isso seria arriscar um término tão devastador a ponto de nos fazer odiar-nos a valer e esquecermos do que foi bom. Então programamos o final e nos separamos carregando o melhor do outro dentro de si.

Faz uma semana agora e estou bem. Sinto a falta dela, claro, como ela deve sentir a minha, mas imagino que esteja bem também. Não me arrependo de nada sobre nós, senão por um detalhe: eu não tenho um retrato dela. Tão habituado fiquei a ver seu rosto no perfil de contato do whatsapp, religiosamente atualizado, que não atinei a salvar uma foto sequer. Veja você, pleno 2016 e não tenho uma arquivo digital da moça que eu quase amei. Há de ter sido melhor assim, pois o que existe apenas na memória o destino não corrói. Ficarei com a lembrança do sorriso dela fechando a porta devagarinho e de a observar da minha janela descer a rua sem olhar pros lados, enquanto baixinho eu pedia perdão aos astros por qualquer coisa e agradecia pelo o que foi bom até aqui.


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