“Eu não escrevo mais. Todas as
vezes que tenho um fio de inspiração e tento, acontece algo que a sequestra de
mim. Seja alguém que resolve espichar a conversa ou um vizinho ouvindo música
ruim. Tudo atravessa as paredes e atinge minha criatividade. É uma lástima,
pois necessito escrever. É assim que faço as pazes comigo. Não precisa ser bom,
só precisa me satisfazer. E se faço algo que não gosto fico de mal comigo. É
difícil conviver com quem se tem uma richa, não há pra onde fugir. Meu
desprazer me encara pela manhã, quando abro os olhos, e testemunha minha luta
com a insônia. Às vezes até acho que ele torce por ela. Mas o que se pode
fazer? Tudo que tenho são palavras amontoadas sem um mínimo de poesia. Sem
alma. Forçar-me a escrever me traz ainda mais desgosto. A única ideia que paira
em minha mente é o suicídio literário. A melhor que tenho em meses e sequer sei
como executá-la. É isso, é o fim.”
Hoje tentei escrever uma canção.
Sentei-me a escrivaninha e me posicionei confortavelmente em frente ao computador.
Batuquei o teclado por uns minutos e lembrei-me que nunca fui bom de rima.
Tentei transformar em algum tipo de poesia contemporânea, mas me faltou
lirismo. Era só um amontoado de palavras sem beleza literária. Deletei.
Perguntei-me onde será que poderia ter deixado meu eu poético e, do alto da
minha preguiça já característica, desisti de procurar e quis inventar um novo.
Outro novinho em folha, que não
me viesse arranhado e carregado de experiências desgostosas, que de tão marcado
por antigos desafetos não fosse capaz de deitar uma linha sequer sem
mencioná-los. Um eu poético ingênuo e curioso, que ignorasse as maldades
passadas e falasse de tudo como quem experiencia algo pela primeira vez. Buscava
em mim um poeta criança e temia jamais encontrá-lo.