Quero um amor maduro, do tipo que se sabe as fraquezas e
limitações. Um amor real, sem fantasia. Não quero que chame a mim de Julieta e
eu a você de Romeu. Quero um amor que não invente pseudônimos e tenha completa
ciência do que é. Pra ser simplesmente José e Maria, completos em si. E
verdadeiros. Porque o amor pode até ser
sonho, mas ele só existe e dá certo quando estamos acordados. Não dá pra bancar
o sonâmbulo e andar por aí fingindo perfeição.
Quero um amor de coração aberto, mas, sobretudo, os olhos e a mente.
domingo, 9 de dezembro de 2012
domingo, 2 de dezembro de 2012
Meu último sobre você
Eu tento. Começo várias frases de
impacto e de repente travo. Ficam meus dedos pousados em cima do teclado
esperando pela volta de uma palavra que traduza os meus pensamentos tão seus.
Mas ela não vem. Deveria ver meu desktop. Ele é só um monte de rascunhos do Word
de no máximo três linhas. Tão confusos que nem eu mesma saberia te dizer o que
senti quando os redigi. E juntos devem fazer ainda menos sentido.
Sei lá. Te transcrevo já há
tanto tempo que acho que desaprendi a usar qualquer outro tema. Falar sobre
natureza, música, livros ou até mesmo sobre novos amores não seria sincero. Talvez
eu tente escrever sobre o som dos Bee Gees que vaza da casa do meu vizinho.
Cotidiano – ou, em outras palavras, minha vida chata sem você.
Olha só você aqui de novo. É um
vício, um mau hábito. E, como você sabe, maus hábitos sempre voltam. Esse
hábito assim mal vindo, mas muito bem instalado. Hábito pouco cordial que só
ocupa espaço e já não tem mais serventia.
Quer saber? Te exorcizo de mim.
Você já não dá poema, crônica, música, conto ou prosa. Nem versinho infantil de
quatro estrofes ou cantiga de ciranda. Você não é mais matéria prima de nada
bonito. Porque eu já suguei tudo que tinha pra sugar do que sobrou de você nos
meus dias. Eu excedi minha cota de você e a caneta já tinha percebido isso
há muito tempo. Só faltava eu. Mas agora que me dei conta me despeço com pesar
e sem remorso.
Adeus inspiração.
sábado, 3 de novembro de 2012
o que li num estranho na rua
Desaprendeu a viver.
Tem os olhos perdidos e a maturidade emocional de quem perdeu alguém que ama,
sem nunca ter amado. Não conversa por nada ter mais a dizer. Por não
querer repetir o que todos já disseram. Nem falar de assuntos sem alma. Se
encontra já sem espírito de fé. Se chora, é por instinto. Se gosta, é porque
aprendeu que devia ser assim. Convenção social. Convive por não ter
escolha ou por preguiça de escolher. Beija e abraça mecanicamente, como quem retribui
o “bom dia” ao vendedor. Sussurra pro vento, ora pra um deus que não crê. Comove-se por convencimento, sem compaixão. Se doa sem dor. Não se dá. Não se vê. Não se
ouve. Desaprendeu a sentir e receia não mais querer aprender.
...
Só vem.
Não marque hora, dia
Lugar ou flor na lapela
Não se marque.
Não se guarde.
Pelo o que não disser
Não se amargue.
Eu não vou.
Não me aguarde.
Então vem.
Enquanto o futuro não assusta
E o passado não assombra.
sexta-feira, 19 de outubro de 2012
ideia suicida
A ideia está lá. Martelando em sua cabeça a solução para todos as suas angústias. Mas ela não a aceita, não pode. É cruel, é estúpido, é inconcebível, é inaceitável. Rola na cama, toma banhos de horas, dá voltas no apartamento. Nem se lembra quando foi a última vez que vira a rua. Não se lembra a última vez que comera. Sabia que emagrecera muito e que deveria alimentar-se antes que a inanição se encarregasse de pôr um fim em tudo. Ela não consegue. Não sente gosto, cheiro. Sua garganta se fechara a exemplo de seu coração. O café acabara, assim como os cigarros e seu armário de destilados beira a escassez. Logo não terá mais nada para distrai-la. Até a amada coleção de seus autores prediletos nada mais dizem. Desligara o telefone. Não por não querer falar com alguém, mas por medo de que ele não tocasse. Prefere a dúvida. Escreve. Escreve por horas, incessantemente. Registra tudo que lhe vem a mente. Talvez na esperança de que alguém invada na madrugada, olhe os escritos e a conforte, diga que a compreende e que tudo ficará bem.
Em uma manhã acordou cedo, abriu as janelas, religou o telefone, organizou a casa e deitou-se no sofá - onde passou toda a tarde. Ao cair da noite notou que não ouvira o telefone ou campainha tocarem. Sequer uma batida na porta ou passos no corredor. Notou que ninguém leu o que escrevera e que, se o tivessem feito, não entenderiam. Nada. Trancou as portas e janelas novamente e encheu a banheira. Desta vez não escrevera suas ideias. Não deixou carta.
sábado, 13 de outubro de 2012
argila
Não posso mais. Viver seu sonho
não é o que eu tinha planejado pra mim. Ainda menos um sonho assim, sem
glamour. Que eu não tenho papel sequer de coadjuvante. Mas você, você tem todos
os papéis.
Eu sou só sua estátua de argila.
Você me molda como lhe convém. Imagina que sou mármore, bronze. Idealiza o
material que não tem. E o ama, desesperadamente o ama. Juras e promessas de um
amor inabalável supostamente destinado a mim. Mas eu não sou bronze. E não importa quantas vezes eu tente me formar e te convencer que sou argila, vermelha, material pouco nobre, mas muito versátil. Você ignora.
Porque no seu sonho não cabem
palavras de outrem, ainda que o queira manter dentro dele.
terça-feira, 2 de outubro de 2012
visita-me
Senta aqui do meu lado. Ou fica aí mesmo. O importante é que
você me ouça. Ou não ouça, mas fique aqui, nessa sala. Você nem precisa
comentar o que eu disser. É que eu estive pensando umas coisas aqui comigo e
deu vontade de expor. Andei pensando sobre mim, claro, mas ainda mais sobre
você e eu. Sobre como estou sempre te sugando até a última gota de afeto, de
desejo, de atenção. Sobre como estou sempre solicitando que você se doe, que
ame mais. Você faz o possível, eu sei. Você vem sempre que pode e traz flores e
chocolate. E tem chovido tanto esses dias, e São Paulo já é um caos sem a chuva,
com ela então. E você tem me ligado nesses dias chuvosos em que o trânsito não
te permite chegar. Mas não serve, não é igual. Quero ver teu rosto com aquela
expressão incomodada por eu ter te feito atravessar a cidade. Essa expressão
que se desfaz com o primeiro beijo quente que te dou. Quero te ver chegar, largar as chaves na mesa
e vir me abraçar. Quero sentir teu perfume mesmo ele estando misturado a cigarros
e fumaça de escapamento. Porque esse é você. E te quero por completo, todos os
dias. Porque não vai ter mais ninguém que vai me olhar carinhosamente enquanto
desafino I Will Always Love You. Ou pelo menos alguém que eu acredite que está
mesmo gostando. Porque não vai ter mais ninguém que eu ame tanto detestar o
gosto musical. E você se veste mal e comete erros gramaticais às vezes. Mas
isso te torna único. E se você é único, como poderei te substituir, entende? O que
eu queria mesmo dizer é que estou com um medo sem tamanho de você se afastar. E
que vou te requisitar sempre mais e mais. Eu sou insatisfeita. Tenho uma sede
enorme do que me faz bem. Você me faz bem.
sábado, 15 de setembro de 2012
chamada a cobrar-se
- Oi.
- Quem é?
- Tanto tempo sem
nos falarmos que se esqueceu da minha voz.
- Não acredito.
Você!? Como vão as coisas??
- Vão bem. Muito
bem até. Esse ano concluo minha faculdade e vão me efetivar no estágio. Legal,
né?
- Muito! Meus
parabéns. Fico feliz que esteja bem.
- Obrigado. Me
surpreende ainda se importar.
- Não diga isso..
Sempre te quis bem e por perto. Você que não quis.
- Ta, ta. Passou,
esquece, certo? E você, como está? Vocês?
- Bem. Ótimos.
- Só?
- Ora, estamos
bem. Fazendo planos.
- hmm...planos?
- Sim. Tem certeza
de que quer falar sobre isso?
- E por que não?
Somos amigos agora. Gosto de saber da sua vida.
- Não sei. É que
não sei em que pé você e eu estamos. Não quero te chatear. Sem querer parecer
presunçosa, não sei se te dói falar sobre isso.
- Não se preocupe,
não vai. Se te conforta, estou saindo com alguém. Nada sério ainda, mas ela é
legal.
- Bom! Que bom!
Você devia mesmo namorar.
- Devia, né?
- Sim! Aliás,
quero conhecê-la. Traga-a aqui em casa. Programa de casal, o que acha?
- Acho que não é
uma boa ideia. Não é nada sério, lembra? Não quero apressar as coisas. Vocês se
dariam bem, mas é melhor não, por enquanto.
- Certo. Tudo bem,
então. Mas não a deixe escapar, sim? Se ela é assim tão legal..
- Pare. Por favor.
- Parar com o que?
- De me empurrar
pra outro relacionamento. Não precisa fazer isso. Não vou atrapalhar o de
vocês. Talvez eu não devesse ter ligado.
- Não, me
desculpe. É que a cena que protagonizou na última vez em que nos vimos ainda está
na minha cabeça. Não consigo desvincular aquela imagem de você. Me desculpe,
acho ótimo que tenha superado e... Me desculpe de novo. Fui presunçosa.
- Tudo bem. Agora
está com vergonha, não está?
- Morrendo.
- Imagino. Lembro
de você vermelha nessas situações. Você detesta estar errada.
- É, detesto! Me
conhece bem.
- Bom, foram quase
dois anos. É quase inevitável.
- É...
(...)
- E os planos?
- Planos?
- Sim, os planos
que disse estarem fazendo.
- Ah, sim. Nossos
planos.
Dentro de
algumas semanas pretendo me mudar pra casa dele e...
- Mas já?
- Sim. Já estamos
há oito meses juntos e tem ficado cada vez mais sério.
- Não acha
precipitado?
- Por que seria?
- Sei lá. Só acho
que talvez não seja tempo suficiente para se conhecer alguém. Só estou
preocupado com sua segurança.
- Não precisa. Ele
é uma cara legal. E, além do mais, não vou vender meu apartamento, só aluga-lo.
Se algo der errado, volto atrás.
- Se você acha. Te desejo sorte e toda a felicidade do mundo!
- Obrigada. Me deseje amor, que o resto vem.
- Amor então. Em abundância.
- Pra você também.
- Obrigado. Bem, acho que estou perto dele. E mesmo que eu esteja,
que um dia me case e você precise de mim pra te livrar de algum babaca que te
atormentar, é só chamar, viu?
- Vi. Valeu. Chamarei sim, mas espero não precisar.
- Espero que não também.
- Ah, pretendo sair do país também.
- E por quê?
- Bem, vamos morar juntos e ele está prestes a ser promovido. Passará
mais tempo fora que aqui. Decidimos que seria melhor assim.
- E o seu trabalho no jornal?
- Ele vai me ajudar a conseguir outro por lá.
- Então é mesmo sério? Você o ama perdidamente?
- Ah...bem, é claro. Mas que pergunta! Amo sim.
- Legal.
- Legal.
(...)
- Escuta, preciso desligar. Ele vem jantar aqui hoje e eu vou
cozinhar.
- Sério? O que vai preparar?
- Não sei ainda. Olha, preciso mesmo desligar.
- Ok. Foi bom falar contigo de novo. Até qualquer outro dia.
- Até. Se cuida.
Promoção
para o exterior? Não podia competir com isso, definitivamente.
Olhou os livros de química empoeirados na
estante. Abandonados na mesma posição desde o dia em que largara a faculdade. Sublinhou
alguns números após uma olhada rápida nos classificados e pousou o jornal ao
lado do copo de vodka quase seco. Tomou banho, barbeou-se, se vestiu e
perfumou. Ia sair. Havia ao menos uma verdade naquela ligação: devia mesmo
arranjar uma namorada.
sábado, 1 de setembro de 2012
não estou
É impressionante como reparam que não estou aqui.
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
marcos e maria
Mesmo na maioridade, ainda meio moleque,
Mergulhava no mar indómito, muito amostrado,
Pra chamar o olhar feminino.
E as meninas amavam.
Principalmente Maria
Que se maquiava e punha o melhor maiô.
Mas Marcos nem ligava
Maria é menina mimada, dizia, Não é pra mim.
Almejo mulheres como Marylin Moroe.
E mangava da moça.
Ela, magoada, saia amuada.
“Mas Marcos há de me querer namorar e eu não mais!”.
Em março, Marcos mudou-se para Macapá.
Em menos meses que o imaginado
Voltou a Maresias e viu Maria
Já mulher formada e formosa.
Maroto, foi mostrar-se homem mudado.
E ela mostrou-lhe a aliança de diamante e ouro maciço.
Agora era amigada com Aroldo Alves, o arquiteto.
Habitava na Alameda Antonio de Assis
E ia de avião à Austrália, África, Alemanha, Alpes e Argentina.
É, Marcos. Mudam o mundo e a menina.
sábado, 25 de agosto de 2012
3 por 10
O menino cresceu alto e forte.
Feição imponente, voz de locutor.
Infelicidade. Vítima da própria sorte,
Ele agora vende bala no metrô.
ponto
Se me pedir, eu espero. Espero mesmo. Talvez não sozinha. Relação vazia e nada mais. Diga que não pode agora. Que está com alguém e esse alguém morreria se o largasse agora. Diga que te ameaçam homicídio. Diga que está atarefado, focado na carreira, que não pode ou não quer se envolver agora. Peça pra eu te desejar em segredo, calada. Peça pra que eu te guarde fingindo indiferença. Ou peça pra que eu vá. Pra que te deixe em paz. Diga que não me quer por perto. Que não há próximos capítulos nessa história. Que, sinceramente, fui um bom passatempo. Ou que me amou demais e agora acabou como um poço que seca. Diga que quer me ver mais duas ou três noites e então fim. Ou me peça pra que te espere. Mas, por favor, diga algo. Coloque um ponto final ou reticências. Não me deixe aqui assim, desiludida e esperançosa, com a sua interrogação.
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
sessenta minutos
Chove, não chove.
Vai chover amanhã. Talvez faça sol.
Talvez o meu pai venha, talvez não volte.
Talvez eu aprenda, ou só ignore.
As elipses formadas na sombra.
Na rede, debaixo da árvore
Do rochedo.
Qualquer coisa
Sobre caos e medo.
Preguiça de rimar, de pensar.
Apetite do nada.
Fardo que não pesa
Nem incomoda, na verdade.
Joguei fora o calendário.
E umas fotos reveladas.
Outras eu só deletei
Tentando esquecer a idade.
E minha memória quando volta?
Diz aí, doutor, que eu to bem.
Só estou brincando de soltar palavras.
Ver o que sai depois de juntas.
Misticismo infantil, metido a besta.
Fica assim, então.
Nosso tempo acabou.
A gente se vê próxima sexta.
Não, ninguém vai morrer não.
Semana que vem eu te explico
Se der. Se eu recordar.
Preciso me lembrar que não somos amigos.
O que somos mesmo?
Ah, eu sou chuva, pode ser?
Hoje eu chovo, ou não chovo.
Semana que vem, mesmo horário, eu volto
Ou talvez não.
segunda-feira, 23 de julho de 2012
desculpas

quinta-feira, 19 de julho de 2012
lembranças, joplin e chardonnay II

Acho que vou trocar meu carro. Já cansei dele mesmo. Meu Opala Metálico Azul adquirido pra te impressionar, só porque amava a tal música. Eu era jovem e fodido e ainda assim economizei e o comprei por você. Deve ser verdade essa conversa de que deixamos de ser racionais quando apaixonados. Nos tornamos perfeitos idiotas. De qualquer forma, o Opala já não faz mais tanto sentido. Eu te vejo nele. Na verdade, ele transpira você. Mantê-lo é me torturar. De que me adianta lembrar teu sorriso se já não sou a razão dele? Quando nos deixou me privou do teu sorriso. E do meu. Sinto falta dele. Sinto falta de te ver dançando pela casa ao som de Dezesseis. Sinto falta de brigar contigo por mexer nos meus LPs. Sinto falta de te telefonar, mas não posso. Não vou. Admito que sinto sua falta. E que inferno é sentir isso. Vou me livrar do carro e do seu fantasma. Comprar outro esportivo. Quem sabe um Porche agora que posso? Sim, um porche. Assim teria uma desculpa pra te ligar e até fazer referência à Mercedes-Benz. Você ficaria feliz? Talvez percebesse que tenho ouvido sua Janis. Que tenho te ouvido. Que tenho me importado com essa ausência tão presente.
conselho de mãe
Dói um bocado no começo, e no meio. Vai machucar por um bom tempo na verdade. Mas há beleza aí. Nesse retiro que se faz em busca da própria paz de espírito. Nesse período que se está sentindo pena de si mesmo e esquecendo que se é importante para uma porção de pessoas. Faz bem. Não queira pular fases, nem também se estagnar. Há tempos já de diz que é necessário dar tempo ao tempo. O que se esquece de dizer é que o segundo "tempo" refere-se àquele de cada um.
Você vai chorar. Vai sentir ódio dele, dela, de si mesma até. Vai querer ficar na cama por dias. Outras vezes vai querer ver gente, conhecer lugares. E nesses lugares, vai encontrar algo que te lembre a sua dor e vai recomeçar o ciclo. Mas cada recomeço de ciclo trará uma lição adquirida no anterior. E as sensações deste já não serão tão intensas quantos as do primeiro.
Então aceite que acabou. De nada adianta negar a realidade. Ouça a música de vocês repetidas vezes até que ela perca o sentido. A ofereça a um amigo em um momento alegre. Ressignifique lugares, objetos, coisas que tenham feito juntos. E não se esqueça de queimar as cartas. Sem relê-las. Te traria falsas esperanças. E tudo que precisa agora é das verdadeiras.
Ignore, no entanto, o conselho mais tolo e mais falado. O de tentar esquecer. Não se apaga parte da vida assim. Isso roubaria o seu sentido. Não se esqueça de quem já te fez feliz, de quem adicionou tanto à sua história. Você aprendeu muito, não foi? Então por que excluir isso? Apenas filtre os pensamentos que te puxarem pra baixo. Esses você deleta. E o que sobrar daí, você molda e transforma numa das coisas mais preciosas que se pode ter e que nada levará de você: SABEDORIA.
quinta-feira, 21 de junho de 2012
anfetamina

Quando abriu os olhos era como se
já não fosse ele quem estava ali. Definitivamente ele não existia mais. Sua
existência agora consistia em duas partes distintas. Sua mente eram duas. Uma
lutava ferozmente pela sobrevivência e seguia mandando impulsos elétricos por
todo seu corpo a fim de manter seus órgãos funcionando. A outra parte, quase
que indiferente a todo esforço produzido
pela primeira, vasculhava o hipocampo em busca de fragmentos de memória que
pudessem explicar como chegara àquele leito frio e branco.
Vasopressina, noradrenalina. Por
que todas essas reposições? Ruídos externos e por vezes ininteligíveis invadiam
e confundiam seu raciocínio. Não raciocinava mais. Seu pensamento se limitava a
repetir as mesmas perguntas. O que aconteceu? Como vim parar aqui? E como um
fino feixe de luz na escuridão, lhe surge a primeira lembrança.
Um sorriso, um riso infantil.
Bruno? Sim, é o rosto de meu filho que me aparece gradativamente e minha
ex-esposa segura sua mão. Mas por que Ana não está sorrindo? Tem as feições
pesadas de preocupação.
- O que há, Ana?
- Não vá.
Acorde. Acorde!
Repentinamente volta a sala alva.
Quem são todas essas cabeças que se projetam pela lateral da cama? Percorre o
olhar por cada centímetro que lhe é possível observar. Tenta balbuciar
palavras, dúvidas. Mas não o respondem, talvez sequer o ouçam. E essa dor que
lhe assalta o peito agora?
-Desfibrilador, 17 bits. Alguém
grita.
Agora é a voz de Ana que ouve.
Está pedindo para que não viaje na caminhonete:
- Por que não? Qual o problema em
viajar com ela?
- É muito velha. E além disso,
acordei com aquele aperto no peito.
- Ana, fique tranquila. Não há
com o que se preocupar.
- Não posso. Sabe que não consigo
me acalmar quando tenho estes maus pressentimentos.
- Sim, eu sei. Sei também que
nunca aconteceu nada, lembra?
- Nada tão grave você quer dizer.
Ao menos fez a revisão?
- Fiz. E também viajei há pouco
tempo com ela e estava perfeita. Além do mais, são pouquíssimos quilômetros até
lá.
- Não sei. Viajar de noite
assim... Prefiro que não vá. Mas sei que não posso te impedir, então, por
favor, cuide do nosso filho.
- Pare de pensar negativo! Te
telefono no caminho e assim que chegarmos, ok?
Sentiu os 17 bits de impulsos
elétricos atravessarem seu corpo. Não saberia dizer qual dor era pior. Sentiu a
realidade aproximar-se novamente. Podia sentir o líquido gelado da medicação
subir por suas veias. Sentia-se amarrado, sufocado por todos aqueles fios que
sustentavam seu pulso de vida. Todos aqueles rostos acima dele tinham os mesmos
ares de preocupação do de Ana.
Achou bom tê-la visto de novo.
Tê-la visto sorrir passando as instruções de bom comportamento para o garoto
enquanto ele guardava a mochila do Ben10 na cabine. Sorriso esse que Bruno
herdara e ele observara ao vê-lo falando ao celular com a mãe, instantes antes
de pegarem a estrada estreita.
- Aumente a potência.
Maldita dor. Mas espere. Se eu
estou aqui onde está meu filho? O que houve com ele? Por favor, que ele esteja
bem... Onde ele está? Preciso vê-lo!
- Aumento elevado da frequência
cardíaca.
- Ministre ivabradina.
Onde está meu filho? Onde??
Bruno?! Bruno!!
Olhou em volta. Ali estava ele, a
seu lado. Pousou sua pequena mão na dele, sorrindo.
- Funções normalizadas.
Como é bom te ver, Pequeno. Ainda
mais assim, estando com a expressão tão tranquila. Serena, eu diria. Mas por
que essa estranha roupa branca?
- Verifique a dilatação de
pupila.
Outro feixe de luz.
Luz? Faróis! Os faróis de uma
carreta que vem em zigue zague na estrada. Em nossa direção! Deus! O que ele
está fazendo aqui?? Veículos grandes não podem pegar esse caminho! Quanto tempo
até a colisão? Preciso tirar Bruno do carro. Saia, Bruno, saia. Solte o cinto!
Por que o fecho não abre?? Por quê?!?!
Subitamente tudo se tornou claro.
A música que ouviam no rádio do carro, o motorista de caminhão dopado, os
planos para o final de semana e como sempre negligenciava os cintos de
segurança na revisão. Lembrou-se que a vida que se passou diante de seus olhos
não foi a dele, mas a de Bruno. Do seu Pequeno. Seu maior motivo de alegria
desde aquele dia chuvoso na maternidade. Agora lembrava quem é, o que
acontecera, o que fizera. E daria tudo o que tinha para esquecer novamente.
quarta-feira, 20 de junho de 2012
cowboy
- Acordei com uma vontade louca de fumar. Beber uísque com gelo. Acabar com o maço em uma hora. O curioso é que parei de fumar a dois anos e três meses. Me lembro bem a data porque coisas assim a gente lembra. Coisas que fazem as pessoas sorrirem e aprovarem nossos atos.
“Acho que vou secar a garrafa. Já tem um tempão que ela ta aí, guardada. Comprei pra afogar as mágoas, mas desisti. Achei que não valesse a pena, que era pouca lama pra uma bebida cara.”
“Mas agora eu tomo, a esvazio por mim. Engolir até meu organismo rejeitar o destilado e pôr pra fora o álcool e a nicotina que forcei fazerem parte dele. E que o vômito leve junto todas as impurezas do meu corpo. Com a dor de cabeça eu me entendo depois.”
“Sei lá, acho que no fim não sou eu, nem os cigarros, nem o uísque. É você. No fim é sempre você, não é?”
sexta-feira, 8 de junho de 2012
abraço
Na avenida principal ela o viu, dobrando a outra esquina do quarteirão. Um andando em direção ao outro. E ao fitar seus olhos agora, como há tempos não fazia, ela sentiu ressurgir dentro de si a vontade de abraçá-lo. E reviu toda a alegria que teve a seu lado. E a saudade que já tinha foi crescendo, apertando no peito. Viu que sentia falta. Viu que a atenção dele, e voz, faziam uma falta danada. Sentiu doer de novo. Quase tanto quanto tinha doído quando resolveram pôr um fim. Sentiu o impulso de cessar a dor dando-o o abraço mais apertado e sincero que jamais dera. Mas o conteve. Impulso contido por sua insegurança, por aquele seu medo de ser feliz. Porque, pra ela, após a calmaria vem a tormenta.Então deixou pra lá. Se convenceu de que estava bem, ou que iria ficar. Fez um aceno de cabeça pra ele e atravessou a rua. E ele, ao vê-la se afastando, prometeu pra si mesmo de novo que da próxima vez falaria, que da próxima vez correria e contaria o quanto ainda pensa nela. E a abraçaria de tal modo que mesmo quando a soltasse, não se desvencilhasse mais dele. E não fosse mais embora como agora. Nunca mais.
terça-feira, 22 de maio de 2012
Bloqueio Criativo
Crio bloqueios
Recreio imaginativo
Creio eu
Anseio novas criações
Escrevo
Ideias em blocos
Desconexas
Reescrevo, recrio.
Que vejo cravado
No bloquinho antigo?
Passado esquecido
Quiçá a cura
Do bloqueio criativo
Recreio imaginativo
Creio eu
Anseio novas criações
Escrevo
Ideias em blocos
Desconexas
Reescrevo, recrio.
Que vejo cravado
No bloquinho antigo?
Passado esquecido
Quiçá a cura
Do bloqueio criativo
quarta-feira, 2 de maio de 2012
então eu lembro
Hoje foi um gato que me lembrou você. Ele em cima do muro, se equilibrando graciosamente, me remeteu àquele dia bobo em que caminhamos lado a lado, com um gato nos acompanhando pelo muro da estação. Cantando músicas que depois nos fariam lembrar quão felizes fomos e deixamos de ser. Músicas que mais tarde evitaríamos ouvir pra não doer na memória. E tentaríamos esquecer, com todas as forças, o significado delas.
Foi fácil esquecer pra você? Eu achei que seria pra mim, mas não foi. Fica mais difícil quando um gato ou uma música, um cd ou uma frase, ou até mesmo um programa de TV insistem em me reapresentar você. Então eu lembro. E por lembrar o seu sorriso assim, acabo por sorrir também.
Sabe, Caio já disse: "Supere isso e, se não puder superar, supere o vício de falar a respeito''. Acho que funciona. Nunca mais falei de ti nem busquei notícias suas. E a cada dia que passa, me lembro um pouquinho menos de você. Que feliz é o dia em que sua lembrança não vem me assombrar. Só não tão feliz quanto aquela fração de segundo em que recordo seus olhos em mim. E penso em te ligar, mesmo com a voz embargada, pra contar que me lembro, que me importo. Que sinto sua falta, que sinto nossa falta. Que sinto falta, sobretudo, da felicidade que fui quando você era comigo.
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