sábado, 15 de setembro de 2012

chamada a cobrar-se



- Alô?
- Oi.
- Quem é?
- Tanto tempo sem nos falarmos que se esqueceu da minha voz.
- Não acredito. Você!? Como vão as coisas??
- Vão bem. Muito bem até. Esse ano concluo minha faculdade e vão me efetivar no estágio. Legal, né?
- Muito! Meus parabéns. Fico feliz que esteja bem.
- Obrigado. Me surpreende ainda se importar.
- Não diga isso.. Sempre te quis bem e por perto. Você que não quis.
- Ta, ta. Passou, esquece, certo? E você, como está? Vocês?
- Bem. Ótimos.
- Só?
- Ora, estamos bem. Fazendo planos.
- hmm...planos?
- Sim. Tem certeza de que quer falar sobre isso?
- E por que não? Somos amigos agora. Gosto de saber da sua vida.
- Não sei. É que não sei em que pé você e eu estamos. Não quero te chatear. Sem querer parecer presunçosa, não sei se te dói falar sobre isso.
- Não se preocupe, não vai. Se te conforta, estou saindo com alguém. Nada sério ainda, mas ela é legal.
- Bom! Que bom! Você devia mesmo namorar.
- Devia, né?
- Sim! Aliás, quero conhecê-la. Traga-a aqui em casa. Programa de casal, o que acha?
- Acho que não é uma boa ideia. Não é nada sério, lembra? Não quero apressar as coisas. Vocês se dariam bem, mas é melhor não, por enquanto.
- Certo. Tudo bem, então. Mas não a deixe escapar, sim? Se ela é assim tão legal..
- Pare. Por favor.
- Parar com o que?
- De me empurrar pra outro relacionamento. Não precisa fazer isso. Não vou atrapalhar o de vocês. Talvez eu não devesse ter ligado.
- Não, me desculpe. É que a cena que protagonizou na última vez em que nos vimos ainda está na minha cabeça. Não consigo desvincular aquela imagem de você. Me desculpe, acho ótimo que tenha superado e... Me desculpe de novo. Fui presunçosa.
- Tudo bem. Agora está com vergonha, não está?
- Morrendo.
- Imagino. Lembro de você vermelha nessas situações. Você detesta estar errada.
- É, detesto! Me conhece bem.
- Bom, foram quase dois anos. É quase inevitável.
- É...
 (...)
- E os planos?
- Planos?
- Sim, os planos que disse estarem fazendo.
- Ah, sim. Nossos planos.
 Dentro de algumas semanas pretendo me mudar pra casa dele e...
- Mas já?
- Sim. Já estamos há oito meses juntos e tem ficado cada vez mais sério.
- Não acha precipitado?
- Por que seria?
- Sei lá. Só acho que talvez não seja tempo suficiente para se conhecer alguém. Só estou preocupado com sua segurança.
- Não precisa. Ele é uma cara legal. E, além do mais, não vou vender meu apartamento, só aluga-lo. Se algo der errado, volto atrás.
- Se você acha. Te desejo sorte e toda a felicidade do mundo!
- Obrigada. Me deseje amor, que o resto vem.
- Amor então. Em abundância.
- Pra você também.
- Obrigado. Bem, acho que estou perto dele. E mesmo que eu esteja, que um dia me case e você precise de mim pra te livrar de algum babaca que te atormentar, é só chamar, viu?
- Vi. Valeu. Chamarei sim, mas espero não precisar.
- Espero que não também.
- Ah, pretendo sair do país também.
- E por quê?
- Bem, vamos morar juntos e ele está prestes a ser promovido. Passará mais tempo fora que aqui. Decidimos que seria melhor assim.
- E o seu trabalho no jornal?
- Ele vai me ajudar a conseguir outro por lá.
- Então é mesmo sério? Você o ama perdidamente?
- Ah...bem, é claro. Mas que pergunta! Amo sim.
- Legal.
- Legal.
(...)
- Escuta, preciso desligar. Ele vem jantar aqui hoje e eu vou cozinhar.
- Sério? O que vai preparar?
- Não sei ainda. Olha, preciso mesmo desligar.
- Ok. Foi bom falar contigo de novo. Até qualquer outro dia.
- Até. Se cuida.

     Promoção para o exterior? Não podia competir com isso, definitivamente.
     Olhou os livros de química empoeirados na estante. Abandonados na mesma posição desde o dia em que largara a faculdade. Sublinhou alguns números após uma olhada rápida nos classificados e pousou o jornal ao lado do copo de vodka quase seco. Tomou banho, barbeou-se, se vestiu e perfumou. Ia sair. Havia ao menos uma verdade naquela ligação: devia mesmo arranjar uma namorada.

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