quarta-feira, 27 de julho de 2011

lembranças, joplin e chardonnay


Quando cheguei do trabalho e vi suas malas perto da porta não acreditei que fosse sério. Fica fácil não dar tanta importância a algo que acontece frequentemente. Afinal, quantas vezes você esvaziou aquele armário? Você sempre voltava. Mesmo com todos os meus defeitos, nossas discussões e suas tentativas de me fazer mudar, eu tinha certeza do seu amor por mim. Pois no final da noite você estava lá, deitada ao meu lado. Às vezes com a cara amarrada, até eu te fazer rir. Sua expressão dormindo sempre me inspirou algo divino. Eu devia ter percebido que algo estava errado quando os períodos na casa da sua mãe se tornaram mais longos.

Foi estranho não te ver chorar ao dizer que estava indo embora. Eu estava habituado a isso. Suas lágrimas denunciavam que ainda havia algo especial por mim aí dentro. Isso me confortava. Eu nunca te contei que permanecia do lado esquerdo da cama na sua ausência, não é? Achei engraçado me fazer prometer que iria ficar bem quando, na verdade, se realmente se importasse comigo você estaria aqui agora.
Acho que jamais te disse que nunca chorei por você. Mesmo quando atravessava aquela porta levando pedaços de nós. Eu colocava seu disco favorito (aquele que não suporto e que não te deixava ouvir quando estava em casa) e ficava entoando Pieces of heart enquanto secava garrafas daquele vinho que gosta tanto. Agora a voz rouca da Janis é a única que se ouve nesse apartamento. O lado direito do edredom continua intacto e terei de sair pra comprar mais Chardonnay. Não sei por quanto tempo será assim e também não me importo. Vou me acostumar.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

pra não dizer que te amo


Pra não dizer que te amo
Pinto o mundo de grafite
Mudo o sentido da grafia
E o significado das palavras
Corto ruas, dobro esquinas
Invento toda uma filosofia
Troco o tempo dos verbos
E digo do amarei que sentia

Pra não dizer que te amo
Inverto as letras do alfabeto
Ponho o sol à meia noite
E cinco luas na matina
Confundo a psicologia
E semeio giraluas
Volto a ser uma menina

Pra não dizer que te amo
Emudeço sem razão
Desabrocho flores mortas
Pulo os dias, minto as horas.

Para que tentar dizer com fonemas sem expressão o que os olhos gritam tão bem?

aqui jaz minha disposição para amar


Por que enterros são tão tristes?
Não devia ser assim. Por que na verdade quem sofre é quem fica? Estou aqui no meu mundo. Já o conheço, sei as todas as regras e vou sobreviver a ele. Vou buscar minha felicidade fria.
Você. Você vai pra tua caixa escura e mantenha-se lá. A 7 palmos da superfície e 7 mil metros de mim.
Se você quiser, toco uma música triste na hora de dizer adeus e derramo algumas lágrimas (algumas mais não fazem diferença). E no discurso fúnebre posso dizer também que aprendi muito contigo, não estaria mentindo. Mas não posso agradecer por ter te conhecido.
Aliás, vai tarde. Quem foi que te ensinou a ser assim? Invadindo a privacidade e rotina alheia? Quem te deu autorização pra bagunçar a vida das pessoas? Com seus alucinógenos e inibidores de apetite.
Vai. Mas dessa vez, vê se fica aí embaixo por mais tempo. Com a sua sorte e o meu azar, logo, logo alguém vem te ressuscitar.
Mas por enquanto fica aí.

terça-feira, 12 de julho de 2011

neologia

















 


Te expus as palavras
E elas caíram em seus pés
Mas sequer as olhou
E permaneceram ali
Como se nunca tivessem sido ditas.
Em meu último monólogo elas pairaram no ar
Sinto que se fechar os olhos ainda as verei
Esperando que as vá resgatar.

Eu vi o teu espetáculo
Estava na primeira fila
Mas você não me viu
Aplaudi o seu clímax
Quando todos o vaiavam
Te enxerguei da melhor maneira
Pelos olhos de quem espera
Suportei tudo o que sentiu

Examinei tuas palavras escritas
Guardei-as na gaveta
Junto a teus silêncios
Elas morreram em meus lábios
Antes que pudesse notar que quem morria era eu.

domingo, 10 de julho de 2011

fechando e abrindo a geladeira a noite inteira... ♪♫

Deitar, dormir. Fechar os olhos. Abrir os olhos. Ler um livro. Ouvir música. Assistir TV. Reorganizar o armário. Por os livros em ordem alfabética; e os CDs e DVDs em ordem crescente de ano de lançamento.

Volta ao começo.

Encostar a cabeça no travesseiro. Fechar os olhos. Abrir os olhos. De novo. Dormir, dormir, dormir – coisas demais na mente –. Conversas inacabadas, gritos guardados, sentimentos inalteráveis, lágrimas reprimidas. Minha cabeça girando, girando, girando.

Mais uma vez. Deitar. Respirar. Concentrar. Ler.

“Foi quando meu pai fez menção de se levantar. E, agora, era a minha...”– Brigas; risos; você; declarações –. Esquecer. Tentando: “...era minha vez de segurar...” – Você – “segurar a...” – Nós – “...a sua perna. Mas ele tirou a minha mão...”*. – Você; nós; ela; você e ela. Tudo rodando aqui dentro. – “Foi quando meu pai...”. Desistindo.

Eu me desvencilhando de você.

Deitar. Fechar os olhos. Abrir os olhos. O teto. Mais uma noite longa...



(*Trecho retirado do livro O Caçador de Pipas – Khalled Hosseini)

púrpura, gris e escarlate















 



Dentro de mim há as respostas
Uma porção de soluções óbvias
Entre massa cinzenta e neurotransmissores
Existe algo além da compreensão
Em meus olhos há o delírio
O ludíbrio de uma mente sã
A porta aberta e a placa de adeus
Revelando o que nunca existiu
Na minha pele manchas azuis
Cicatrizes da auto-afirmação
Cortes recentes e mágoas antigas
Marcas da busca do sonho
E este mundo é meu
É tudo que sou e que tenho
É idéia, mágica, engenho
É a perfeição que eu invento
E este mundo é meu
É o púrpura, gris e escarlate
A mentira, omissão e a verdade
É o tom da minha perversidade.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

assalto a banco


- Qual é o problema?
- Eu não consigo ser feliz. Talvez seja um pico de stress ou início de depressão.
- Ainda faz análise?
- O Vieira me deu alta. Já faz um mês.
- Então você vai ficar bem agora?
- Teoricamente.
Silêncio.
- Qual é o problema?
- Lennon, meu gato. Morreu.
- Você está bem com isso?
- Durante o dia, no trabalho, fica tudo bem. Você já reparou como o silêncio tem a capacidade de fazer a gente refletir? Dá pra entender os castigos da mamãe.
- Ela nunca foi fácil.
- Foi esperta. Eu a amava.
- Eu a amo.
- A TV lá de casa uma droga. O receptor quebrou. Tudo bem, eu já nem assistia mesmo. Dei pra alugar filmes de drama. Chorar por indução. Não dizem que faz bem?
- Realmente.
- É, faz bem. Deve funcionar melhor quando é espontâneo e não planejado por um diretor de Hollywood.
[...]
- Quer ouvir música? Baixa não tem problema.
- Nunca gostei.
- Eu me esqueci. Faz tanto tempo.
[...]
- E então, qual é o problema?
- Eu engordei. Três quilos.
- Você está ótima. Ótima e paranóica.
- Foi o que o Vieira me disse na última sessão. Sem o “paranóica”, claro. Ele me disse pra viajar, reencontrar amigos, familiares.
- Você está bem com isso? Agora?
- Não. Lembranças demais.
- Antigo namorado?
- Antigas ilusões, frustrações, mágoas, decepções. Ele casou sabia?
- Bete me contou.
- Dizem que tem uma filha linda. Ele sempre quis ter uma menina. Sofia, já tinha escolhido o nome.
- Achei que não o amasse.
-Nunca amei. Mas podia ter amado. Eu podia ter sido a dona daqueles cinqüenta metros quadrados e dividir o Civic e andar de jeep nas férias.
- Você o ama agora?
- Não, mas gostaria. Como é, hein? Como é sentir que existe alguém que nos completa? Que é mais importante que nós mesmos? É...eu gostaria.
[...]
- Comecei a fumar.
- Mas você já fumava.
- Dois cigarros por mês não causam câncer. Falo de ir a venda e pedir o maço.
- Você quer ter câncer?
- Eu não sei.
- Você quer morrer?
- Não, é fácil demais. As pessoas dizem que quando você passa por uma doença séria assim, é como uma purificação. Você reencontra teu caminho, teu eu, tua alma, como quiser chamar. A vida volta a ter sentido. Reaprende o significado de família.
- Você não sabe?
- Não sei se sei. Quer dizer, nós somos, não somos?
- Sim, nós somos.
- Quero ter um filho.
- Formar sua própria família?
- Não. Eu gosto da nossa. Só ter alguém que dependa de mim. Alguém que eu possa mostrar o certo e o errado. Que eu possa dizer pra olhar pros dois lados antes de atravessar a rua, coisas do tipo.
- Alguém pra dar sentido a sua vida? Para amar incondicionalmente?
- É, acho que é isso.
[...]
- Então, está bem agora?
- Sim. Só passei pra dizer que te amo.
- Eu também te amo, viu?
- Vi.

      Ela levantou da poltrona surrada pelo tempo e pelo uso das tantas pessoas e familiares das pessoas que ocuparam aquele leito. Caminhou até a janela e a fechou, afinal era julho na terra da garoa. Abriu a porta e deu uma última olhadela nele. Lembrou de quando era apenas um menino no colo de dona Augusta.
    Quando deixou o prédio, de um branco sujo por padrão, desceu a avenida vagarosamente, como há tempos não fazia. Chegou mesmo a sorrir pra um garotinho que acenava da janela do carro parado no sinal. Tomou o ônibus, desceu no antigo bairro e observou a linha do trem, lembrando de quando era menina e atravessava correndo por medo de vir uma locomotiva. Fechou os olhos tentando visualizar as crianças debochando de seu temor. Ela não tinha mais medo. Cortou caminho por um beco pra chegar à velha lanchonete. Seguiu pela calçada e quase não sentiu dor quando um projétil atingiu sua nuca, vindo da agência bancária paralela a ela do outro lado da rua.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

rascunho de carta a um velho amigo



Petrolina, 29 de Agosto de 2003

Olá, querido Pedro

Tudo bem com você? Espero que sim. Faz tanto tempo que não nos vemos. Desde o Ensino Médio no EMAF, lembra? Bons tempos.
Bem, você deve estar se perguntando como consegui teu endereço. Não fique bravo com ela, mas eu encontrei sua irmã Helena no mercado outro dia e ela anotou pra mim. Ela foi tão simpática e concordou que não haveria problema já que fomos íntimos amigos no colégio. Aliás, seus sobrinhos são muito bonitos, como você, devia vir visitá-los. E se você vir podíamos jantar juntos almoçar juntos reunir o pessoal.
Sabe, sondei encontrei com seu velho amigo Marquinhos e ele me disse que perdeu contato contigo. Se te interessa, ele está muito bem. É gerente de uma rede de postos de gasolina agora e tem uma família linda.
Ah, encontrei seus pais nas barraquinhas do Bairro esse ano. Conversamos tanto, rimos um bocado! Foi sua mãe quem me disse que você estava em São João Del Rei, mas não sabia teu endereço (e soltou onde Helena costuma fazer compras). Como você foi parar aí???
Enfim, uma série de investigações coincidências me trouxe notícias suas então eu resolvi entrar em contato. Saber como anda sua vida, afinal já se passou oito anos e cinco meses uns oito anos e nunca se esquece o primeiro amor um amigo de escola.

Responda logo ou, por favor, entre em contato pelos telefones que anotei abaixo. Só pra sermos um pouco nostálgicos.

Da sempre sua sua amiga,
Michelle.