sexta-feira, 8 de julho de 2011

assalto a banco


- Qual é o problema?
- Eu não consigo ser feliz. Talvez seja um pico de stress ou início de depressão.
- Ainda faz análise?
- O Vieira me deu alta. Já faz um mês.
- Então você vai ficar bem agora?
- Teoricamente.
Silêncio.
- Qual é o problema?
- Lennon, meu gato. Morreu.
- Você está bem com isso?
- Durante o dia, no trabalho, fica tudo bem. Você já reparou como o silêncio tem a capacidade de fazer a gente refletir? Dá pra entender os castigos da mamãe.
- Ela nunca foi fácil.
- Foi esperta. Eu a amava.
- Eu a amo.
- A TV lá de casa uma droga. O receptor quebrou. Tudo bem, eu já nem assistia mesmo. Dei pra alugar filmes de drama. Chorar por indução. Não dizem que faz bem?
- Realmente.
- É, faz bem. Deve funcionar melhor quando é espontâneo e não planejado por um diretor de Hollywood.
[...]
- Quer ouvir música? Baixa não tem problema.
- Nunca gostei.
- Eu me esqueci. Faz tanto tempo.
[...]
- E então, qual é o problema?
- Eu engordei. Três quilos.
- Você está ótima. Ótima e paranóica.
- Foi o que o Vieira me disse na última sessão. Sem o “paranóica”, claro. Ele me disse pra viajar, reencontrar amigos, familiares.
- Você está bem com isso? Agora?
- Não. Lembranças demais.
- Antigo namorado?
- Antigas ilusões, frustrações, mágoas, decepções. Ele casou sabia?
- Bete me contou.
- Dizem que tem uma filha linda. Ele sempre quis ter uma menina. Sofia, já tinha escolhido o nome.
- Achei que não o amasse.
-Nunca amei. Mas podia ter amado. Eu podia ter sido a dona daqueles cinqüenta metros quadrados e dividir o Civic e andar de jeep nas férias.
- Você o ama agora?
- Não, mas gostaria. Como é, hein? Como é sentir que existe alguém que nos completa? Que é mais importante que nós mesmos? É...eu gostaria.
[...]
- Comecei a fumar.
- Mas você já fumava.
- Dois cigarros por mês não causam câncer. Falo de ir a venda e pedir o maço.
- Você quer ter câncer?
- Eu não sei.
- Você quer morrer?
- Não, é fácil demais. As pessoas dizem que quando você passa por uma doença séria assim, é como uma purificação. Você reencontra teu caminho, teu eu, tua alma, como quiser chamar. A vida volta a ter sentido. Reaprende o significado de família.
- Você não sabe?
- Não sei se sei. Quer dizer, nós somos, não somos?
- Sim, nós somos.
- Quero ter um filho.
- Formar sua própria família?
- Não. Eu gosto da nossa. Só ter alguém que dependa de mim. Alguém que eu possa mostrar o certo e o errado. Que eu possa dizer pra olhar pros dois lados antes de atravessar a rua, coisas do tipo.
- Alguém pra dar sentido a sua vida? Para amar incondicionalmente?
- É, acho que é isso.
[...]
- Então, está bem agora?
- Sim. Só passei pra dizer que te amo.
- Eu também te amo, viu?
- Vi.

      Ela levantou da poltrona surrada pelo tempo e pelo uso das tantas pessoas e familiares das pessoas que ocuparam aquele leito. Caminhou até a janela e a fechou, afinal era julho na terra da garoa. Abriu a porta e deu uma última olhadela nele. Lembrou de quando era apenas um menino no colo de dona Augusta.
    Quando deixou o prédio, de um branco sujo por padrão, desceu a avenida vagarosamente, como há tempos não fazia. Chegou mesmo a sorrir pra um garotinho que acenava da janela do carro parado no sinal. Tomou o ônibus, desceu no antigo bairro e observou a linha do trem, lembrando de quando era menina e atravessava correndo por medo de vir uma locomotiva. Fechou os olhos tentando visualizar as crianças debochando de seu temor. Ela não tinha mais medo. Cortou caminho por um beco pra chegar à velha lanchonete. Seguiu pela calçada e quase não sentiu dor quando um projétil atingiu sua nuca, vindo da agência bancária paralela a ela do outro lado da rua.

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