Conservo a pintura da fachada e abafo
os barulhos internos, para não perturbar os vizinhos. Ora, um bom isolamento
acústico garante a privacidade e mantém as aparências. Ninguém quer ou precisa
saber em que pé está a bagunça ali dentro.
Vezenquando, abro a janela para
entrar luz e renovar o ar. Tomando cuidado de não as deixar abertas por muito
tempo. Alguém pode olhar demais e notar desarranjos. Um porta-retratos virado,
papéis amontoados, um dominó desfalcado ou um quebra-cabeça interrompido. Um
lençol cobrindo a roupa suja – que um dia hei de lavar.
É preciso estar atenta. Se
desconfio de um olhar espichado apresso-me a trancar as janelas. Imagine só que
vexame descobrirem que sou falha em administrar o lugar que habito. Melhor não
arriscar.
As vidraças estão sempre limpas e
o carpete “bem-vindo” aprumado e convidativo. Há também um confortável jogo de
cadeiras na varanda, perfeito para jogar conversa fora e nada mais. Ofereço o
exterior, aqui dentro só a mim cabe.
Aqui dentro, me expresso entre os
limites do concreto. Liberdade medida e autocensurada.
Os móveis ocupam o quarto, souvenires
caem na estante em companhia a fotos ignoradas. Música vívida sai do stereo em
contraste ao silêncio mórbido do cômodo. Paredes pálidas, escritos empoeirados,
ruídos medíocres. Onde outrora havia arte, cantos inexpressivos. Tudo coberto
por luz branca e gélida. Um conjunto vazio.
Parece inconcebível, mas depois que se acostuma, é confortável ser assim.