quinta-feira, 6 de outubro de 2011

2 segundos


Ontem, no trem, um gesto me chamou atenção. A parada em uma das estações, antes de desembarcar, um homem fez o sinal do cruz e só então seguiu. Como pouca religiosa que sou, o primeiro pensamento que me veio a mente me fez rir: em quais situações as pessoas costumam se benzer? Em situações desafiadoras ou perigosas. A idéia de aquele homem ter medo de um simples trem me pareceu cômica demais. Depois me condenei por esse pensamento. Observei mais atentamente o homem. Roupas gastas, um olhar cansado. Linhas de expressão muito marcadas e pele maltratada pelo sol. Passava das dez da noite e muito provavelmente aquele senhor de quarenta e poucos anos estava voltando de um dia duro de trabalho. A julgar pela aparência, sua situação financeira não devia ser exorbitante. Revi as possibilidades. O que ele poderia estar pensando quando levou a mão à testa, ao peito e depois aos ombros? Talvez tenha sido um “Muito obrigado, Senhor. Estou chegando em casa em segurança e gostaria de agradecer por ter me acompanhado e pedir que continue me guardando.” Ou quem sabe “O que aconteceu agora há pouco não foi fácil e agradeço por ter iluminado minha mente e ter me guiado para o caminho correto.” De qualquer forma, foi uma manifestação de fé.

Todos os dias, no caminho de volta do trabalho, a condução passa em frente a uma igreja católica e sempre é possível testemunhar algumas pessoas se benzendo ao vê-la. Já estou habituada, de forma que isso não me comove mais. Mas aquele senhor, naqueles dois segundos, me fez repensar meus hábitos cristãos. Não sei bem o que ou por que me surpreendeu. Talvez tenha sido o ambiente, talvez já tivesse inclinada a rever minha fé, talvez tenha sido sua expressão de bravo que tão fortemente contrastava com seu gesto. Ele me fez sentir culpa. Culpa por aquele poder ser um gesto rotineiro para ele e estar tão distante da minha realidade.

Sou cristã. Acredito piamente em Deus. Mas até que ponto levo isso em minha vida? Há quanto tempo eu não orava? Há quanto tempo não dizia verdadeiramente o Seu nome? Há quanto o tempo o subestimava invocando-o deliberadamente em frases que perderam totalmente o sentido devido a repetições desrespeitosas? “Pelo amor de Deus”. Tempo demais. Essa constatação pesou em meu peito.

Aquele homem, aquele gesto podiam ter passado despercebidos em meio a tantos passageiros ou simplesmente terem sido ignorados enquanto prestava atenção no que era reproduzido pelo meu mp3. Não sei quais serão as conseqüências de ontem, não sei se vou conseguir mudar, não sei se vou conseguir trazê-Lo de vez para minha realidade. Mas sei que o convite está feito.

2 comentários:

  1. Realmente algumas situações do cotidiano nos força a repensarmos alguns conceitos.
    Grande abraço e sucesso!

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  2. É incrível como naturalmente a Vida nos leva a encararmos as nossas dúvidas e pesares... A profundidade de viver se manifesta em detalhes e o pronunciamento destes depende muito da disposição de sensibilidade ao qual se atribuí a sí mesmo. Muito bonito o texto!

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