sábado, 2 de agosto de 2014

a banca

Envelhecer e descobrir que não existe mesmo isso de esquecer, de desamar. Você apertar a mão de quem um dia foi seu mundo inteiro e não sentir absolutamente nada. Não existe, cara. Você se afasta, muda de ares e de amigos, deixa de revisitar lembranças e jura que está acabado. Mas um belo dia, ao rever aquela pessoa, sente uma coisinha se revirar, espreguiçar e acordar no peito: pronto, está vivo de novo.

Um aperto de mão de meio segundo e uma avalanche de sentimentos vem em sua direção, perto e rápido demais pra desviar, está feito, você é atingido. Quando se dá conta está forçando um sorriso e olhando pros lados, tentando inviavelmente fugir. O coração bate descompassado e torce pra que ninguém note que está se sentindo como no dia da defesa do seu tcc, ansioso pra provar que esses semestres tiveram valia e você realmente aprendeu a lição. Eu sei, foi exatamente como me senti.

Ela usava salto alto e um vestido justo turquesa, de comprimento um pouco acima do joelho, que contrastava com tudo que gostava de vestir e contrariava sua personalidade despojada que tanto admirei. Cabelos soltos em cachos minuciosamente modelados para durar toda a noite e batom vermelho para arrematar. Dizem que se deve vestir bem quando for a um encontro e ainda melhor se for encontrar um ex. Estava linda, com todas as curvas que me lembrava, mas o acessório que ostentava me fez questionar essa teoria: um acompanhante.

Eu, o cara solteiro que vai ao casamento do amigo azarar as primas da noiva.  Não sei se é o que todos estavam pensando, mas é o que achei que ela pensaria de mim. Derrotado, ainda sozinho depois de todos esses anos. Impressão que só piorou quando disse em seguida “Esse é o Otário, meu noivo”. O Otário apertou minha mão mais forte que o comum enquanto passava o braço em volta da cintura dela, o que me fez desejar que ele tivesse um aneurisma naquele instante e caísse duro no chão, um trágico e feliz final. Mas apenas o assisti tirá-la para dançar e caminharem juntos para o meio do salão.

Não conversamos mais naquele dia e nem em outro algum. Na semana seguinte fiquei me perguntando o porquê de todo aquele desconforto, do ciúme, da frustração por não poder ter novamente, da tristeza ao vê-la sair pela porta. Li o perfil público dela no Facebook de ponta a ponta e procurei seu rosto nas fotos do casamento postadas mais tarde. Buscava o registro de um olhar furtivo na minha direção ou um sorriso amarelo que denunciasse que estava tão desconfortável quanto eu. Queria uma pista de que estava secretamente infeliz e sentindo minha falta.  Não encontrei.

Pensei várias vezes em ligar, marcar uma cerveja, reconquistá-la aos pouquinhos. Pensei que foi um erro tê-la deixado escapar e que ainda estava profundamente apaixonado por ela. Nada fiz.  Após um tempo, deixei de pensar naquela festa. Senti aquela coisinha no peito revirar e adormecer de novo, quieta. Acredito que, se a ver mais uma vez, a coisinha vai se agitar e fazer algum barulho, mas nunca terá força suficiente pra me fazer discar o número dela de novo. Essa se foi há tempo demais, quando decidimos juntos que não dávamos mais certo. Segui.


O nome do noivo dela é Tarcísio. Mas, já me conformei, será sempre Otário pra mim.