sexta-feira, 19 de outubro de 2012

ideia suicida

A ideia está lá. Martelando em sua cabeça a solução para todos as suas angústias. Mas ela não a aceita, não pode. É cruel, é estúpido, é inconcebível, é inaceitável. Rola na cama, toma banhos de horas, dá voltas no apartamento. Nem se lembra quando foi a última vez que vira a rua. Não se lembra a última vez que comera. Sabia que emagrecera muito e que deveria alimentar-se  antes que a inanição se encarregasse de pôr um fim em tudo. Ela não consegue. Não sente gosto, cheiro. Sua garganta se fechara a exemplo de seu coração. O café acabara, assim como os cigarros e seu armário de destilados beira a escassez. Logo não terá mais nada para distrai-la. Até a amada coleção de seus autores prediletos nada mais dizem. Desligara o telefone. Não por não querer falar com alguém, mas por medo de que ele não tocasse. Prefere a dúvida. Escreve. Escreve por horas, incessantemente. Registra tudo que lhe vem a mente. Talvez na esperança de que alguém invada na madrugada, olhe os escritos e a conforte, diga que a compreende e que tudo ficará bem.


Em uma manhã acordou cedo, abriu as janelas, religou o telefone, organizou a casa e deitou-se no sofá - onde passou toda a tarde. Ao cair da noite notou que não ouvira o telefone ou campainha tocarem. Sequer uma batida na porta ou passos no corredor. Notou que ninguém leu o que escrevera e que, se o tivessem feito, não entenderiam. Nada. Trancou as portas e janelas novamente e encheu a banheira. Desta vez não escrevera suas ideias. Não deixou carta.

sábado, 13 de outubro de 2012

argila


 Não posso mais. Viver seu sonho não é o que eu tinha planejado pra mim. Ainda menos um sonho assim, sem glamour. Que eu não tenho papel sequer de coadjuvante. Mas você, você tem todos os papéis.
Eu sou só sua estátua de argila. Você me molda como lhe convém. Imagina que sou mármore, bronze. Idealiza o material que não tem. E o ama, desesperadamente o ama. Juras e promessas de um amor inabalável supostamente destinado a mim. Mas eu não sou bronze. E não importa quantas vezes eu tente me formar e te convencer que sou argila, vermelha, material pouco nobre, mas muito versátil. Você ignora.
Porque no seu sonho não cabem palavras de outrem, ainda que o queira manter dentro dele.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

visita-me


Senta aqui do meu lado. Ou fica aí mesmo. O importante é que você me ouça. Ou não ouça, mas fique aqui, nessa sala. Você nem precisa comentar o que eu disser. É que eu estive pensando umas coisas aqui comigo e deu vontade de expor. Andei pensando sobre mim, claro, mas ainda mais sobre você e eu. Sobre como estou sempre te sugando até a última gota de afeto, de desejo, de atenção. Sobre como estou sempre solicitando que você se doe, que ame mais. Você faz o possível, eu sei. Você vem sempre que pode e traz flores e chocolate. E tem chovido tanto esses dias, e São Paulo já é um caos sem a chuva, com ela então. E você tem me ligado nesses dias chuvosos em que o trânsito não te permite chegar. Mas não serve, não é igual. Quero ver teu rosto com aquela expressão incomodada por eu ter te feito atravessar a cidade. Essa expressão que se desfaz com o primeiro beijo quente que te dou.  Quero te ver chegar, largar as chaves na mesa e vir me abraçar. Quero sentir teu perfume mesmo ele estando misturado a cigarros e fumaça de escapamento. Porque esse é você. E te quero por completo, todos os dias. Porque não vai ter mais ninguém que vai me olhar carinhosamente enquanto desafino I Will Always Love You. Ou pelo menos alguém que eu acredite que está mesmo gostando. Porque não vai ter mais ninguém que eu ame tanto detestar o gosto musical. E você se veste mal e comete erros gramaticais às vezes. Mas isso te torna único. E se você é único, como poderei te substituir, entende? O que eu queria mesmo dizer é que estou com um medo sem tamanho de você se afastar. E que vou te requisitar sempre mais e mais. Eu sou insatisfeita. Tenho uma sede enorme do que me faz bem. Você me faz bem.