sábado, 20 de agosto de 2011

gelo & fogo


Da janela da sala de aula, enquanto observava o pinheiro se movendo com o vento, no pátio da escola, estive pensando em tudo que se passou conosco. Nós costumávamos parar ali, na sombra daquela árvore, pra você me aconselhar, eu te ajudar com a matéria ou simplesmente para jogarmos conversa fora, fugindo das aulas de religião.

Às vezes me pego fitando por tempo demais as letras que entalhou no tronco. Você se lembra? Era julho e fazia tanto frio que sequer tirávamos as luvas para copiar a lição. Você me fez rir só de aparecer toda empacotada com sua blusa de lã, moletom, casaco, cachecol, toca, duas calças... enfim, mais agasalhos que o necessário. Ainda hoje acho graça da tua expressão de raiva quando zombei do teu excesso de frio. Você se irritou tanto por tão pouco. Então você riu e disse: “não sou eu que sou frienta, você que é muito fogosa.” E foi minha vez de rir. Nossa vez. Gargalhamos tanto que as pessoas em volta ficaram curiosas e nós com dores no estômago.

Foi assim. Não foi uma briga, também não foi uma piada. Na verdade, nem teve tanta graça assim. Nosso riso foi a válvula de escape para o nosso medo, nossa saudade precoce, nosso segredo. Porque sabíamos que aquela poderia ser a última vez que riríamos juntas. Porque sabíamos que você estava indo embora. Porque sabíamos que se não as transformássemos em sorrisos, logo viriam as lágrimas.

Você tirou da bolsa o canivete improvisado, feito de lâmina de apontador e tubo de caneta bic, como eu havia lhe ensinado, e começou a escrever no nosso pinheiro. Sem dizer nada. Quando terminou e pude ler “Gelo e Fogo”, me mantive em silêncio. Você estava séria, como se estivesse refletindo no significado de cada letra torta. Um significado grandioso, que só nós duas entenderíamos.
Naquele momento nossa amizade foi eternizada. E não sorrimos mais.

De vez em quando, nos intervalos entre uma aula e outra, fico debaixo daquela sombra. Refaço com o dedo cada letra. Reforço o nosso pacto silencioso.

Não fujo mais das aulas de religião, e pra ser sincera, agora até gosto. É quando, observando o nosso pinheiro, peço pra Ele te guardar, onde quer que esteja.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

impulso paranóico


Minhas mãos sentem meu corpo
De uma forma estranha, ainda pulsa
Não fica difícil de acreditar
Quando toco tudo o que foi destruído
Mas ainda respiro.

Ideias atravessam minha mente
Como raios que abalam uma construção
E o medo do meu ódio corrói minhas entranhas
Mas continuo viva.

E tudo torna a fazer sentido
Enquanto veias e artérias sangram num grito letal
Sentindo a falta do coração que eu arranquei pra te dar.

Eu ainda penso.
Eu ainda respiro.
Eu ainda vivo.
E tudo volta pro lugar.

meus traços





Meu bem, descansa .Tudo vai ficar bem.

Basta lembrar do que fomos,
temos, sentimos e somos
E, amanhã, de um jeito incerto
Você me sentirá mais perto.

Guarda essas tralhas, amor
Já não fazem sentido
Ouve a canção que te fiz
Eu ainda estou contigo.

Refaz nossos passos
Reconheça meus traços
Me sinta nos braços
Recolha meus pedaços e os guarde só pra si.